A literatura brasileira contemporânea é um oceano repleto de talentos ainda submersos à margem dos holofotes editoriais. Enquanto muitos leitores seguem orbitando os mesmos nomes consagrados, uma nova geração de autores vem produzindo narrativas poderosas, plurais e absolutamente necessárias para compreender o Brasil de agora — e de amanhã.
“A Morte e o Meteoro”, de Joca Reiners Terron
Imagine um futuro em que a floresta Amazônica praticamente desapareceu, restando apenas uma pequena porção de mata que ainda abriga os últimos membros de uma tribo indígena isolada: os kaajapukugi. Essa é a premissa do romance brutal e hipnotizante de Joca Reiners Terron, que se desenrola como um thriller filosófico com elementos de distopia e realismo mágico.
A história gira em torno de Boaventura, um sertanista que dedicou sua vida à proteção dessa tribo, e que elabora um plano ousado para transportá-los ao México como refugiados políticos. Após sua morte misteriosa, a missão recai sobre um indigenista mexicano que, ao narrar a jornada, revela uma teia de segredos, delírios e revelações ancestrais. Com uma prosa densa, sensorial e alucinada, Terron oferece ao leitor uma reflexão incômoda sobre genocídio, apagamento cultural e a decadência ambiental brasileira.
“História para Matar a Mulher Boa”, de Ana Johann
Em sua poderosa estreia na ficção, Ana Johann desmonta o mito da mulher submissa com a precisão de uma cirurgiã da linguagem. A protagonista Helena é a mulher comum de tantas outras histórias: criada em uma família tradicional do interior, com estudos interrompidos por uma gravidez precoce, e uma existência moldada por decisões que não foram inteiramente suas. Mas o que parece uma narrativa linear ganha contornos inquietantes com o surgimento de uma serpente onírica que sussurra à protagonista: “você precisa”.
Helena entra então em uma espiral de descobertas e rupturas silenciosas, enfrentando o peso das estruturas sociais e a própria culpa internalizada. O texto de Johann é direto e lírico ao mesmo tempo, tocando em feridas íntimas com delicadeza e força. É um livro que convida à identificação, mas também à indignação — e, principalmente, ao despertar.
“O Beijo do Rio”, de Stefano Volp
Um jornalista negro, bissexual, retornando à cidade natal após a morte misteriosa de um amigo de infância. Pode parecer o ponto de partida de um romance policial convencional, mas “O Beijo do Rio” vai muito além. Ao voltar para Ubiratã, Daniel precisa lidar não apenas com os fantasmas da adolescência e o preconceito enraizado na cidade, mas também com visões enigmáticas que surgem conforme ele se aproxima da verdade sobre a morte de Romeu.
Stefano Volp constrói um suspense atmosférico que mistura investigação criminal, crítica social e uma dimensão quase sobrenatural, pautada por memórias fragmentadas e elementos da cultura afro-brasileira. A escrita é precisa, envolvente e marcada por um senso de urgência política e poética. “O Beijo do Rio” é, ao mesmo tempo, um quebra-cabeça emocional e um espelho inquieto da exclusão social brasileira.
Conclusão
Estes três livros não estão nas listas dos mais vendidos, mas certamente deveriam estar em sua estante. Eles revelam o quanto a literatura brasileira atual é vibrante, contestadora e multifacetada. Ao buscar narrativas como as de Terron, Johann e Volp, o leitor amplia sua visão sobre o país, sobre o outro e sobre si mesmo. E, mais do que tudo, reconhece a potência transformadora da palavra quando escrita com verdade.
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