O ano era 1877. Enquanto o Brasil pulsava ao ritmo da economia cafeeira e das discussões sobre o fim da escravidão, o porto de Santos vivenciava um dos maiores escândalos de sua história: o roubo milionário de seu até então “impenetrável” cofre.
Após o fechamento da alfândega de Santos em uma sexta-feira de fevereiro, o impensável aconteceu. Quando os funcionários voltaram após o fim de semana, 185 mil contos de réis, aproximadamente R$ 20 milhões nos valores atuais, haviam sumido. E no centro deste mistério estava o tesoureiro, o único com a chave do cofre.
Na semana seguinte, as notícias nos jornais da época causaram um estardalho na vida do tesoureiro, que acusado do roubo, pediu exoneração do cargo e viu sua vida virar de cabeça para baixo.
O fato é que o impenetrável cofre havia sido aberto e a fortuna desaparecido. Na sala do cofre havia papéis espalhados e um buraco no telhado.
Tratado como o maior assalto da história, o suspeito era obvio: o tesoureiro Antonio Eustachio Largacha, homem branco de origem espanhola.
Um tempo depois, todas as pistas levavam ao único homem que detinha a chave, Largacha foi preso e o crime solucionado.
O detetive inesperado
Formado em direito, o ex-escravo Luiz Gama, não apenas foi um dos maiores abolicionistas da história brasileira, mas também um astuto detetive. Vendo-se brechas na solução apresentada, Gama se posicionou em meio a este quebra-cabeça, oferecendo-se para defender Antonio Eustachio Largacha. Luiz Gama teria que trabalhar racionalmente em um emaranhado de mentiras, traições e uma operação criminosa meticulosa.
As evidências apontavam para Largacha, mas algo não se encaixava. Como um homem com a chave abriria um cofre com tanto alarde e deixaria tantos rastros? Além disso, relatos da época sugeriam que o cofre, de fabricação inglesa, era impossível de ser violado. Mas a verdade, como Gama descobriria, estava distante dessa reputação.
Reviravoltas e revelações
As investigações de Gama revelaram uma trama complexa, que envolvia desde a alta sociedade santista até imigrantes alemães. O envolvimento de um serralheiro, uma viagem misteriosa e um telegrama enviado prematuramente ao Jornal do Commercio só aprofundavam o mistério.
Um dos pontos cruciais da condenação de Largacha, foi o depoimento do serralheiro alemão Adolpho Sydow, ouvido como perito. Ele apontou que o cofre era impenetrável e só poderia ser aberto pela chave, a única chave, que estava com o tesoureiro Antonio Largacha.
Luiz Gama apresentou, então, uma revista italiana que noticiou um desafio da fabricante do cofre, Hobbs & Co, oferecendo 200 libras a quem abrisse o cofre sem a chave original. Para surpresa de todos, um ferreiro abriu o mesmo apenas com uma arrame, em meia hora de trabalho.
Com isso, Gama não só derrubou a tese de que o cofre era impenetrável, como sugeriu que o serralheiro Adolpho Sydow poderia estar envolvido no crime, além de outras pessoas. Além disso, outros personagens se envolveram na trama, como o rico empreiteiro de Santo, Luiz Manoel de Albuquerque Galvão e seu sócio, Rodolpho Wursten.
Na época, a dupla era responsável por uma obra no prédio da alfândega, enquanto Sydow fazia a manutenção periódica do cofre. No final de semana do roubo, o empreiteiro Galvão havia espalhado um boato de que Largacha seria o outro do roubo. Mas foi Wursten quem teria praticado o erro fatal. Às 11 horas da segunda-feira posterior ao furto, Wursten enviou um telegrama ao jornal, dando detalhes do assalto e informando a quantia levada. Só que nesta segunda, o roubo havia sido descoberto e ainda não havia um levantamento definitivo da quantia roubada.
O advogado descobriu ainda que três dias após o furto, o empreiteiro Galvão fugiu em um navio, que zarpou em direção ao Rio de Janeiro, lavando uma mala que não foi revistada pela tripulação, e que conteria o dinheiro furtado.
O trabalho meticuloso de Gama não só inocentou Largacha – após 10 meses preso, mas também expôs as falhas da justiça e os preconceitos da época. Mesmo assim, muitas perguntas permaneceram sem resposta.
O dinheiro nunca foi recuperado e o destino dos verdadeiros criminosos permaneceu um enigma. Mas uma coisa é certa: a habilidade investigativa e a perseverança de Luiz Gama brilharam em um dos casos mais intrigantes do Império Brasileiro.