A civilização maia, uma das culturas mais antigas e intrigantes das Américas, deixou um legado rico que até hoje fascina estudiosos e curiosos do mundo inteiro. Entre os muitos tesouros arqueológicos que revelam a profundidade desse povo, os murais de San Bartolo, localizados na região de Petén, na Guatemala, são uma descoberta singular.
Encontrados em 2001 pelo arqueólogo William Saturno, esses murais trazem representações artísticas de deuses e reis, utilizando uma técnica policromada que revela um nível de complexidade notável para a época. Mais do que belas imagens, as figuras e cenas retratadas nos murais narram a origem dos primeiros reis maias, seu panteão de deuses e mitos fundadores, além de aspectos sobre a natureza divina do governo e as crenças religiosas que moldaram essa civilização ao longo de mais de mil anos.
A riqueza de detalhes e a simbologia encontrada nos murais, considerados por alguns especialistas como a “Capela Sistina” maia, despertaram o interesse internacional e lançaram nova luz sobre as raízes da mitologia maia e os sistemas políticos e religiosos dessa sociedade.
O contexto histórico e a descoberta em San Bartolo
A descoberta dos murais de San Bartolo é uma história repleta de casualidade e persistência. Em 2001, o arqueólogo William Saturno, juntamente com o epigrafista David Stuart, fazia parte de uma expedição financiada pelo Museu Peabody da Universidade de Harvard. Essa missão, coordenada pelo arqueólogo Ian Graham, tinha como objetivo mapear inscrições e monumentos maias que oferecessem novas pistas sobre as dinastias antigas. Durante uma exploração no nordeste da região de Petén, Saturno encontrou, quase por acidente, uma escavação clandestina e resolveu investigar mais de perto.
Ao explorar o local, ele descobriu fragmentos de pinturas murais preservados em uma parede escondida. Sem saber ainda da magnitude da descoberta, Saturno manteve o achado em sigilo até reunir uma nova expedição em 2002, com especialistas em conservação e guias locais para avaliar as condições da estrutura e do mural. Foi assim que se iniciou o estudo e a preservação dos murais de San Bartolo, uma descoberta que trouxe revelações valiosas sobre a origem da escrita, da arte e da religiosidade maia.
Os reis e a mitologia maia representados nos murais
Os murais de San Bartolo, com suas cores vibrantes e figuras detalhadas, são mais do que obras de arte. Eles representam a mitologia de origem da civilização maia, oferecendo uma visão rara de como esse povo enxergava o mundo e os poderes divinos. Os reis maias, retratados em cenas cerimoniais, são mostrados como figuras divinizadas, indicando que o poder político estava intrinsecamente ligado ao religioso. Essa conexão com o divino justificava e sustentava o governo dos reis, que se apresentavam como intermediários entre os deuses e o povo.
Além dos reis, as pinturas trazem deuses e deidades em cenas que narram a criação do universo segundo a mitologia maia. Essas representações estabelecem as fundações para a natureza espiritual do governo maia, onde a figura do rei não era apenas um líder político, mas também um símbolo de união entre o humano e o sagrado. Esse aspecto dos murais de San Bartolo tem sido interpretado como uma das primeiras evidências da ideologia divina que caracterizaria a civilização maia pelos próximos 1.300 anos.
A combinação entre arte e escrita: a primeira evidência da escrita maia
Um dos elementos mais fascinantes dos murais de San Bartolo é a presença de inscrições, que são consideradas as evidências mais antigas da escrita maia descobertas na Guatemala. Em uma época em que a comunicação escrita ainda estava se desenvolvendo, os maias já demonstravam um domínio notável de símbolos e códigos visuais. A combinação de figuras e textos nos murais mostra um conhecimento avançado de calendários, ritualísticas e aspectos astrológicos, temas centrais para a cultura maia.
Essa combinação de arte e escrita revela que os maias não apenas criaram um sistema visual sofisticado, mas também estabeleceram uma forma de registrar e comunicar informações complexas, como genealogias, eventos e preceitos religiosos. Para os arqueólogos e epigrafistas, esses murais oferecem uma oportunidade inestimável de estudar o desenvolvimento da escrita na Mesoamérica e entender como ela se relacionava com o cotidiano e as crenças maias.
A importância dos murais para a arqueologia e a preservação do patrimônio cultural
A descoberta dos murais de San Bartolo representou um marco na arqueologia maia, destacando a necessidade de conservar e proteger essas preciosidades culturais. Por serem muito antigos e sensíveis, os murais exigem técnicas de preservação cuidadosas para garantir que suas cores e formas originais sejam mantidas. O trabalho de conservação dos murais foi um esforço colaborativo entre especialistas locais e internacionais, que aplicaram técnicas de restauração de última geração para evitar a deterioração das pinturas.
Esse esforço de preservação é crucial, pois os murais oferecem insights profundos sobre o pensamento, as práticas e a visão de mundo dos maias antigos. Além disso, os murais de San Bartolo continuam a atrair pesquisadores de diversas partes do mundo, que estudam o local em busca de mais detalhes sobre a evolução da sociedade maia e seu impacto cultural duradouro.
San Bartolo: a “Capela Sistina” maia e seu legado
O complexo de San Bartolo ganhou o apelido de “Capela Sistina” maia, dado por Karl Taube, um renomado iconógrafo e estudioso da arte mesoamericana. A comparação não é exagerada: assim como a Capela Sistina de Michelangelo, os murais de San Bartolo são uma obra-prima que une arte e espiritualidade, servindo como uma representação simbólica da visão de mundo de uma civilização inteira. As pinturas e inscrições de San Bartolo sintetizam a religiosidade, os mitos de origem e a legitimidade dos reis, valores que formaram o alicerce da sociedade maia por mais de mil anos.
A “Capela Sistina” maia é um testemunho de uma cultura que desenvolveu um sistema de crenças e uma expressão artística altamente complexa. Ao estudar esses murais, podemos compreender melhor como os maias viam seu lugar no universo, sua relação com o divino e os fundamentos de sua organização social. A obra mural de San Bartolo é, portanto, um símbolo da genialidade criativa e espiritual da civilização maia, que deixou um legado cultural profundo e influente.