A antiga cidade de Olympos, localizada na deslumbrante província de Antalya, ao sul da Turquia, acaba de ter mais um de seus segredos revelados: arqueólogos descobriram um piso de mosaico impressionante e uma inscrição simbólica na entrada da chamada Igreja No. 1, um dos pontos centrais do sítio arqueológico.
A frase, formada por pequenas tesselas encaixadas com precisão milimétrica, adverte: “Somente aqueles no caminho certo podem entrar aqui.” A mensagem, de forte teor espiritual, reforça o papel da igreja como espaço sagrado e exclusivo na sociedade bizantina.
Essa descoberta integra um conjunto de escavações que vêm sendo realizadas desde 2006 e que, nos últimos quatro anos, têm ocorrido de maneira contínua, o que tem permitido uma compreensão cada vez mais abrangente do passado multifacetado da cidade — um passado que mistura vestígios helenísticos, romanos e bizantinos.
Olympos, que já foi um dos seis principais centros da Liga da Lícia, tem revelado ao mundo detalhes impressionantes de sua arquitetura, espiritualidade e organização urbana. Entre os achados mais relevantes até agora estão as igrejas n. 1 e 3, um monumental complexo de portões, a ponte de pedra sobre o rio Akçay e o chamado Palácio do Bispo, o que revela uma teia complexa de estruturas tanto civis quanto religiosas.
A nova fase de escavações, liderada pela professora associada Gokcen Kurtulus Oztaskin, da Universidade de Pamukkale, lança luz sobre um elemento pouco explorado da Igreja No. 1: a estética e a mensagem dos mosaicos que adornam seu chão.
De acordo com a pesquisadora, tanto o salão principal quanto uma sala adjacente apresentam padrões geométricos e botânicos, cuidadosamente dispostos em cores que sobreviveram ao tempo. O destaque, no entanto, é a inscrição de boas-vindas – ou advertência – à entrada, que não deixa dúvidas sobre quem era considerado digno de adentrar o espaço.
Entre colunas e mosaicos: o poder simbólico da Igreja No. 1
A inscrição descoberta na entrada da Igreja No. 1 não é apenas uma peça decorativa. Ela carrega um profundo significado religioso e cultural. “Somente aqueles no caminho certo podem entrar aqui” é uma frase que remonta à lógica espiritual dos primeiros cristãos bizantinos. Em tempos de expansão do cristianismo institucionalizado, o templo não era apenas um lugar de culto, mas também um símbolo de pureza, retidão moral e identidade comunitária. A seleção de quem poderia ou não cruzar aquele limiar ia além do físico — era uma questão de alma.
Essa perspectiva é reforçada pelo contexto em que os mosaicos foram instalados. A disposição dos elementos — motivos vegetais, figuras geométricas e inscrições em grego — é típica do século VI, período em que o Império Bizantino consolidava sua estética religiosa com forte influência da arquitetura litúrgica de Constantinopla. Os mosaicos, nesse contexto, funcionavam como uma espécie de catecismo visual, destinado a lembrar constantemente aos fiéis o que era esperado deles espiritualmente.
A importância dessa inscrição aumenta quando consideramos o seu posicionamento. Colocada estrategicamente na soleira de entrada, ela atua como um divisor simbólico: de um lado, o mundo exterior, profano; do outro, o sagrado. É uma transição que marca não só a mudança de espaço físico, mas também um rito de passagem subjetivo. A entrada na igreja equivalia a um retorno à ordem divina — e a inscrição era o lembrete disso.
As marcas da fé: padroeiros, símbolos e a vida litúrgica em Olympos
Outro elemento fascinante revelado pela equipe de escavação foram os mosaicos contendo nomes dos padroeiros da igreja. A prática de inscrever nomes de benfeitores nos mosaicos do piso é comum na arquitetura bizantina, e ela oferece uma pista importante sobre o financiamento e a manutenção das igrejas naquele período. Esses nomes funcionavam quase como uma assinatura espiritual, uma forma de eternizar a devoção — e a generosidade — daqueles que financiavam as obras sagradas.
Segundo a professora Gokcen, os mosaicos também reforçam a ideia de um espaço fortemente conectado à liturgia. O salão principal da igreja, com seu chão meticulosamente decorado, seria o cenário ideal para procissões, leituras eucarísticas e orações coletivas.
Já a sala adjacente, que também possui padrões de mosaico, pode ter sido usada para batismos ou confissões, ritos fundamentais para a formação espiritual dos cristãos daquele tempo. As imagens botânicas talvez representassem o paraíso perdido, reforçando a simbologia da salvação dentro do espaço eclesiástico.
Não é exagero afirmar que os mosaicos de Olympos atuam como arquivos. Eles são registros tangíveis da fé, da arte e da organização social de um povo. Cada tessela encaixada, cada cor usada, cada palavra gravada no chão da igreja tem o peso de um testemunho arqueológico. E ao trazer essas camadas à tona, as escavações não apenas revelam artefatos: elas devolvem ao mundo uma narrativa esquecida, enterrada sob séculos de areia e silêncio.
A cidade submersa do tempo: o legado vivo de Olympos
Olympos não é um sítio arqueológico qualquer. Localizada às margens do mar Mediterrâneo, envolta por encostas cobertas de vegetação, a cidade tem uma presença quase mítica. Sua localização estratégica e sua história de resistência e reinvenção ao longo das eras — de colônia helenística a refúgio de piratas romanos, e depois centro cristão bizantino — fazem dela um palimpsesto urbano, onde cada camada histórica fala com a anterior.
Os trabalhos arqueológicos em curso revelam um esforço impressionante de documentação, conservação e interpretação. O que antes parecia um simples vilarejo antigo hoje se revela uma cidade com arquitetura monumental, sofisticado sistema de transporte (a antiga ponte é prova disso) e forte estrutura religiosa. A Igreja No. 1, em especial, passa a ser entendida não como uma peça isolada, mas como nó central de uma rede de poder, fé e memória.
A inscrição recém-descoberta funciona como um convite — ou um desafio — para todos nós. Afinal, o que significa estar “no caminho certo”? Para os antigos habitantes de Olympos, essa era uma resposta que envolvia fé, retidão moral e pertencimento comunitário.
Para os arqueólogos de hoje, o caminho certo é o da investigação científica, da escuta respeitosa às vozes do passado. E para nós, leitores, talvez seja o de manter acesa a curiosidade e o respeito por tudo aquilo que o tempo ainda guarda sob seus escombros.
Com 25 anos de experiência no jornalismo especializado, atua na produção de conteúdos de arqueologia, livros, natureza e mundo.