Desde os tempos mais remotos, a Lua tem fascinado a humanidade. Suspensa no céu como uma guardiã silenciosa das noites, ela sempre inspirou perguntas, rituais, poesia — e, acima de tudo, mitos. Ao contrário do Sol, que é fixo e previsível, a Lua muda de forma, desaparece e reaparece, influenciando marés, ritmos biológicos e, para muitos, emoções humanas. Não por acaso, diversas civilizações atribuíram a esse astro significados profundos, envolvendo divindades, mistérios e transformações. Neste artigo, exploramos as principais mitologias que envolvem a Lua ao redor do mundo, revelando como diferentes povos a interpretaram ao longo da história.
A Lua na mitologia grega: Ártemis e o arquétipo da caçadora
Na Grécia Antiga, a Lua foi personificada na figura de Ártemis, deusa da caça, da virgindade e da natureza selvagem. Irmã gêmea de Apolo (deus do Sol), Ártemis representava a independência e a força feminina, sendo reverenciada especialmente pelas mulheres. A Lua, nesse contexto, era símbolo de ciclos — menstruais, naturais e espirituais. Ártemis era frequentemente retratada com um arco e flecha, caçando sob a luz lunar, representando o instinto e a conexão com o mundo selvagem.
Mitologia romana: Diana e a proteção feminina
Correspondente romana de Ártemis, a deusa Diana também era associada à Lua e à proteção das mulheres, especialmente das grávidas e parturientes. Além disso, ela era símbolo de castidade, liberdade e conexão com a floresta. Diana foi uma das divindades mais cultuadas na Roma Antiga e seu nome perdura até hoje em movimentos religiosos neopagãos que reverenciam a energia lunar feminina.
A Lua no Egito: Thoth e Khonsu como deuses lunares
Enquanto grande parte das mitologias associa a Lua ao feminino, no Egito Antigo ela também era atribuída a figuras masculinas. Thoth, deus da sabedoria, da escrita e da magia, era relacionado à Lua por ser o contador do tempo, já que o ciclo lunar era base para o calendário egípcio. Outro deus lunar egípcio era Khonsu, associado à cura, juventude e fertilidade. Seu nome significa literalmente “viajante”, referência ao movimento da Lua no céu.
Na tradição hindu: Chandra e a influência emocional
Na mitologia hindu, Chandra é o deus da Lua, representado como um jovem radiante montado em uma carruagem puxada por antílopes. Ele é casado com 27 esposas, que representam as constelações da astrologia védica. Chandra governa as emoções, a mente e os ritmos do corpo. Ele também é considerado um dos planetas (grahas) da astrologia hindu e tem papel essencial nos rituais de purificação e nas celebrações lunares.
Mitologia chinesa: Chang’e e a deusa exilada na Lua
Uma das mais belas e trágicas histórias sobre a Lua vem da mitologia chinesa. Chang’e era uma mulher que, ao beber um elixir da imortalidade, foi levada para a Lua, onde vive solitária. Seu companheiro, Hou Yi, um arqueiro herói, nunca mais pôde alcançá-la. A lenda é celebrada até hoje no Festival do Meio Outono, quando chineses observam a Lua cheia e compartilham bolos lunares (mooncakes) em sua homenagem.
A Lua nas mitologias indígenas brasileiras
Para os povos originários do Brasil, a Lua também carrega profundos significados. Entre os guarani, por exemplo, Jasy é a divindade lunar responsável por proteger os ciclos da natureza. Na cosmologia ticuna, a Lua tem papel importante nos mitos da criação, sendo uma força ativa nos ciclos de vida, morte e fertilidade. O respeito à Lua e sua influência nas colheitas, nas águas e nos corpos é algo presente em diversas culturas indígenas.
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Lobisomens, loucura e magia: os mitos europeus da Lua cheia
Na Europa medieval, a Lua cheia passou a ser associada a fenômenos sobrenaturais, como a licantropia (transformação em lobisomem) e à feitiçaria. A palavra “lunático” vem do latim lunaticus, aquele que sofre influência da Lua. Durante séculos, acreditava-se que a Lua cheia aumentava os surtos de loucura, as crises de epilepsia e os impulsos violentos. Tais crenças persistem até hoje no imaginário popular, alimentando lendas e narrativas de horror.
Lua e fertilidade: símbolo do ciclo feminino
Em muitas culturas, a Lua é vista como espelho do corpo feminino. Seu ciclo de aproximadamente 29 dias reflete o ciclo menstrual, sendo considerada a grande regente das marés internas do corpo. Devido a essa sincronicidade, a Lua passou a ser símbolo da fertilidade, da maternidade e da transformação. Em rituais pagãos e xamânicos contemporâneos, as fases da Lua ainda são utilizadas para guiar práticas espirituais voltadas à conexão com o feminino sagrado.
A Lua como guardiã do tempo
Além dos aspectos místicos e simbólicos, a Lua desempenhou um papel essencial na contagem do tempo. Diversas civilizações antigas criaram seus calendários com base no ciclo lunar. O calendário islâmico, por exemplo, é inteiramente lunar. Já o hebraico é lunissolar. Festas religiosas como o Ramadã, a Páscoa judaica e até a Páscoa cristã são marcadas conforme a Lua.
Por que a Lua ainda encanta?
Mesmo com os avanços da astronomia e as missões espaciais que revelaram a geologia da Lua, seu poder simbólico permanece. A Lua continua sendo fonte de inspiração artística, espiritual e filosófica. Seu brilho silencioso e constante nos lembra da passagem do tempo, da impermanência e da renovação.
A mitologia ao redor da Lua é, no fundo, um reflexo da própria condição humana: cíclica, complexa, ora escondida, ora em plenitude. E talvez por isso, mesmo em plena era digital, ainda levantamos os olhos ao céu para admirá-la — como nossos ancestrais já faziam, com espanto e reverência.