japonesa

Mistérios da mitologia japonesa

Entre em nosso grupo de notícias no WhatsApp

Imagine um mundo onde os deuses descem dos céus para ensinar lições aos mortais, onde espíritos da floresta habitam entre árvores milenares e criaturas sobrenaturais aparecem para testar a coragem dos homens. Assim é a mitologia japonesa: um vasto campo de lendas, símbolos e rituais que mesclam religião, moralidade e natureza com uma profundidade rara. Diferente das mitologias ocidentais, que frequentemente se baseiam em panteões fixos e narrativas lineares, o pensamento mítico japonês é fluido, interconectado, repleto de ambiguidade e poesia. Neste artigo, mergulharemos nas origens do mundo segundo os xintoístas, nos deuses fundadores do Japão, nos yokais que vagam entre o visível e o invisível, e nas tradições que perpetuam essas histórias até hoje. É uma jornada pela alma mítica do Japão — complexa, bela e, muitas vezes, surpreendentemente humana.

A criação do Japão: Izanagi, Izanami e o nascimento dos deuses

No princípio, o céu e a terra estavam separados, e do caos surgiu o casal divino Izanagi e Izanami, encarregados de moldar o arquipélago japonês. Com uma lança sagrada, eles agitaram o oceano primordial, criando a primeira ilha. Dessa união nasceram outras ilhas e deuses — os kami — que representam tudo: rios, montanhas, trovões, árvores e até sentimentos.

Mas o drama começou quando Izanami morreu ao dar à luz ao deus do fogo. Inconformado, Izanagi desceu ao mundo dos mortos, Yomi, para resgatá-la. Ao encontrá-la em decomposição, fugiu horrorizado, selando para sempre a separação entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Após esse episódio, Izanagi realizou um ritual de purificação. Do enxágue de seu olho esquerdo nasceu Amaterasu, a deusa do Sol. Do direito, Tsukuyomi, o deus da Lua. Do nariz, nasceu Susanoo, o impetuoso deus das tempestades.

Amaterasu e Susanoo: luz e caos em conflito eterno

Amaterasu é a divindade mais reverenciada do xintoísmo. Ela representa o sol, a luz e a ordem. Segundo as lendas, após uma série de atitudes destrutivas de seu irmão Susanoo, ela se escondeu em uma caverna, mergulhando o mundo na escuridão. Para atraí-la de volta, os deuses realizaram danças ritualísticas do lado de fora da caverna. A curiosidade de Amaterasu venceu, e quando ela saiu, os deuses rapidamente selaram a entrada, restaurando a luz ao mundo.

Esse mito não é apenas uma alegoria do dia e da noite. Ele simboliza o equilíbrio delicado entre ordem e caos, entre introspecção e sociabilidade — forças que coexistem na cultura japonesa. Amaterasu, aliás, é considerada ancestral direta da família imperial japonesa, o que vincula o mito à política e à identidade nacional.

Yokais e espíritos: entre o temor e o encantamento

Diferente dos deuses mais “institucionalizados”, os yokais são criaturas do folclore que habitam as florestas, rios, montanhas e até os becos das cidades. Alguns são travessos, como o tanuki — um guaxinim com poderes de metamorfose. Outros são ameaçadores, como o oni — demônio de pele vermelha ou azul, chifres e força bruta.

Há também os kappas, anfíbios que vivem em rios e são famosos por desafiar humanos para lutas ou sequestrar crianças. E os yurei, fantasmas femininos de cabelos longos que vagam em busca de vingança — figuras recorrentes em filmes de terror como “O Grito” e “O Chamado”.

Essas entidades não são vistas como totalmente más ou boas. Elas representam forças da natureza e emoções humanas intensas, como raiva, tristeza, ciúmes ou arrependimento. No Japão, conviver com os yokais é aprender a respeitar o invisível e aceitar que o mundo espiritual está sempre entrelaçado com o cotidiano.

japonesa

O papel dos kami e os rituais xintoístas

No xintoísmo, tudo que possui uma essência vital pode ser um kami: montanhas, rios, árvores centenárias, animais raros, ancestrais venerados. Existem milhares de kami registrados e incontáveis outros considerados locais. Os santuários, ou jinja, são locais dedicados a esses espíritos, onde se realizam oferendas, preces e rituais de purificação.

Os rituais xintoístas envolvem batidas de palmas, sinos, oferendas de arroz e saquê, além da passagem pelos torii — portais vermelhos que marcam a transição entre o mundo humano e o sagrado. Em momentos de crise, como doenças, desastres naturais ou incertezas, os japoneses visitam os santuários para buscar proteção dos kami.

É uma religião sem dogmas fixos, mas com profunda reverência à natureza, à ancestralidade e à harmonia.

O budismo japonês e os seres celestiais

Com a chegada do budismo no século VI, novos elementos passaram a compor o imaginário mítico japonês. Bodhisattvas, deuses guardiões e reinos celestiais passaram a coexistir com os kami. O sincretismo foi natural. Muitas divindades budistas foram assimiladas como manifestações de kami, e vice-versa.

Entre as figuras mais marcantes está o Buda Amida, que governa a Terra Pura, um paraíso espiritual onde as almas podem renascer. Também há Kannon, a bodhisattva da compaixão, frequentemente representada com mil braços. E Fudo Myoo, um guerreiro feroz que protege o dharma com espada e corda.

Esse sincretismo entre xintoísmo e budismo tornou a mitologia japonesa ainda mais rica, com templos que abrigam tanto kami quanto budas, criando um panteão multifacetado que acolhe o divino em suas muitas formas.

japonesa

Mitologia nos dias atuais: do templo ao anime

A mitologia japonesa não ficou presa aos pergaminhos antigos. Ela se atualiza em mangás, animes, filmes e jogos. Obras como “Spirited Away” (A Viagem de Chihiro), de Hayao Miyazaki, são construídas sobre arquétipos e referências ao mundo espiritual japonês.

Séries como “Naruto” e “Demon Slayer” adaptam elementos dos yokais, rituais e deuses, enquanto games como “Okami” e “Ghost of Tsushima” transportam os jogadores para paisagens mitológicas baseadas em lendas reais.

Essa presença da mitologia no entretenimento contemporâneo reforça seu poder simbólico e sua conexão com as emoções humanas. Ela continua moldando comportamentos, valores e a própria visão de mundo das novas gerações.

A mitologia japonesa é um espelho profundo da alma coletiva de um povo que aprendeu a ver o sagrado em cada pedra, em cada floresta e em cada gesto cotidiano. Suas histórias não são apenas sobre deuses e monstros: são reflexões sobre a impermanência, o respeito à natureza, a convivência com os opostos e a busca por harmonia. Ela não se impõe como verdade absoluta, mas como um caminho de conexão entre o visível e o invisível. E mesmo diante da modernidade, sua força simbólica permanece viva — nas cerimônias, nas artes, nos templos silenciosos e até nos personagens que habitam as telas dos celulares. Conhecer a mitologia japonesa é, portanto, mais do que decifrar lendas antigas: é tocar o coração vibrante de uma cultura que continua reverenciando o invisível.

Leia também:

Rolar para cima
Copyright © Todos os direitos reservados.