Mistérios da mitologia japonesa

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Imagine um mundo onde os deuses descem dos céus para ensinar lições aos mortais, onde espíritos da floresta habitam entre árvores milenares e criaturas sobrenaturais aparecem para testar a coragem dos homens. Assim é a mitologia japonesa: um vasto campo de lendas, símbolos e rituais que mesclam religião, moralidade e natureza com uma profundidade rara. Diferente das mitologias ocidentais, que frequentemente se baseiam em panteões fixos e narrativas lineares, o pensamento mítico japonês é fluido, interconectado, repleto de ambiguidade e poesia. Neste artigo, mergulharemos nas origens do mundo segundo os xintoístas, nos deuses fundadores do Japão, nos yokais que vagam entre o visível e o invisível, e nas tradições que perpetuam essas histórias até hoje. É uma jornada pela alma mítica do Japão — complexa, bela e, muitas vezes, surpreendentemente humana.

A criação do Japão: Izanagi, Izanami e o nascimento dos deuses

No princípio, o céu e a terra estavam separados, e do caos surgiu o casal divino Izanagi e Izanami, encarregados de moldar o arquipélago japonês. Com uma lança sagrada, eles agitaram o oceano primordial, criando a primeira ilha. Dessa união nasceram outras ilhas e deuses — os kami — que representam tudo: rios, montanhas, trovões, árvores e até sentimentos.

Mas o drama começou quando Izanami morreu ao dar à luz ao deus do fogo. Inconformado, Izanagi desceu ao mundo dos mortos, Yomi, para resgatá-la. Ao encontrá-la em decomposição, fugiu horrorizado, selando para sempre a separação entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Após esse episódio, Izanagi realizou um ritual de purificação. Do enxágue de seu olho esquerdo nasceu Amaterasu, a deusa do Sol. Do direito, Tsukuyomi, o deus da Lua. Do nariz, nasceu Susanoo, o impetuoso deus das tempestades.

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Amaterasu e Susanoo: luz e caos em conflito eterno

Amaterasu é a divindade mais reverenciada do xintoísmo. Ela representa o sol, a luz e a ordem. Segundo as lendas, após uma série de atitudes destrutivas de seu irmão Susanoo, ela se escondeu em uma caverna, mergulhando o mundo na escuridão. Para atraí-la de volta, os deuses realizaram danças ritualísticas do lado de fora da caverna. A curiosidade de Amaterasu venceu, e quando ela saiu, os deuses rapidamente selaram a entrada, restaurando a luz ao mundo.

Esse mito não é apenas uma alegoria do dia e da noite. Ele simboliza o equilíbrio delicado entre ordem e caos, entre introspecção e sociabilidade — forças que coexistem na cultura japonesa. Amaterasu, aliás, é considerada ancestral direta da família imperial japonesa, o que vincula o mito à política e à identidade nacional.

Yokais e espíritos: entre o temor e o encantamento

Diferente dos deuses mais “institucionalizados”, os yokais são criaturas do folclore que habitam as florestas, rios, montanhas e até os becos das cidades. Alguns são travessos, como o tanuki — um guaxinim com poderes de metamorfose. Outros são ameaçadores, como o oni — demônio de pele vermelha ou azul, chifres e força bruta.

Há também os kappas, anfíbios que vivem em rios e são famosos por desafiar humanos para lutas ou sequestrar crianças. E os yurei, fantasmas femininos de cabelos longos que vagam em busca de vingança — figuras recorrentes em filmes de terror como “O Grito” e “O Chamado”.

Essas entidades não são vistas como totalmente más ou boas. Elas representam forças da natureza e emoções humanas intensas, como raiva, tristeza, ciúmes ou arrependimento. No Japão, conviver com os yokais é aprender a respeitar o invisível e aceitar que o mundo espiritual está sempre entrelaçado com o cotidiano.

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O papel dos kami e os rituais xintoístas

No xintoísmo, tudo que possui uma essência vital pode ser um kami: montanhas, rios, árvores centenárias, animais raros, ancestrais venerados. Existem milhares de kami registrados e incontáveis outros considerados locais. Os santuários, ou jinja, são locais dedicados a esses espíritos, onde se realizam oferendas, preces e rituais de purificação.

Os rituais xintoístas envolvem batidas de palmas, sinos, oferendas de arroz e saquê, além da passagem pelos torii — portais vermelhos que marcam a transição entre o mundo humano e o sagrado. Em momentos de crise, como doenças, desastres naturais ou incertezas, os japoneses visitam os santuários para buscar proteção dos kami.

É uma religião sem dogmas fixos, mas com profunda reverência à natureza, à ancestralidade e à harmonia.

O budismo japonês e os seres celestiais

Com a chegada do budismo no século VI, novos elementos passaram a compor o imaginário mítico japonês. Bodhisattvas, deuses guardiões e reinos celestiais passaram a coexistir com os kami. O sincretismo foi natural. Muitas divindades budistas foram assimiladas como manifestações de kami, e vice-versa.

Entre as figuras mais marcantes está o Buda Amida, que governa a Terra Pura, um paraíso espiritual onde as almas podem renascer. Também há Kannon, a bodhisattva da compaixão, frequentemente representada com mil braços. E Fudo Myoo, um guerreiro feroz que protege o dharma com espada e corda.

Esse sincretismo entre xintoísmo e budismo tornou a mitologia japonesa ainda mais rica, com templos que abrigam tanto kami quanto budas, criando um panteão multifacetado que acolhe o divino em suas muitas formas.

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Mitologia nos dias atuais: do templo ao anime

A mitologia japonesa não ficou presa aos pergaminhos antigos. Ela se atualiza em mangás, animes, filmes e jogos. Obras como “Spirited Away” (A Viagem de Chihiro), de Hayao Miyazaki, são construídas sobre arquétipos e referências ao mundo espiritual japonês.

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Séries como “Naruto” e “Demon Slayer” adaptam elementos dos yokais, rituais e deuses, enquanto games como “Okami” e “Ghost of Tsushima” transportam os jogadores para paisagens mitológicas baseadas em lendas reais.

Essa presença da mitologia no entretenimento contemporâneo reforça seu poder simbólico e sua conexão com as emoções humanas. Ela continua moldando comportamentos, valores e a própria visão de mundo das novas gerações.

A mitologia japonesa é um espelho profundo da alma coletiva de um povo que aprendeu a ver o sagrado em cada pedra, em cada floresta e em cada gesto cotidiano. Suas histórias não são apenas sobre deuses e monstros: são reflexões sobre a impermanência, o respeito à natureza, a convivência com os opostos e a busca por harmonia. Ela não se impõe como verdade absoluta, mas como um caminho de conexão entre o visível e o invisível. E mesmo diante da modernidade, sua força simbólica permanece viva — nas cerimônias, nas artes, nos templos silenciosos e até nos personagens que habitam as telas dos celulares. Conhecer a mitologia japonesa é, portanto, mais do que decifrar lendas antigas: é tocar o coração vibrante de uma cultura que continua reverenciando o invisível.

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