O escritor amazonense Milton Hatoum inscreveu-se pela primeira vez para disputar uma vaga na Academia Brasileira de Letras, em uma movimentação que tem repercutido fortemente nos bastidores da cultura nacional.
Aos 72 anos, o romancista, professor e tradutor é reconhecido como um dos principais nomes da literatura brasileira contemporânea, não apenas pela qualidade de sua prosa, mas pela capacidade de resgatar, com densidade lírica e política, a complexidade da identidade amazônica. A candidatura foi formalizada após a abertura do processo de sucessão da cadeira nº 6, anteriormente ocupada pelo jornalista e ensaísta Cícero Sandroni, falecido recentemente.
Hatoum desponta como o nome favorito entre os três candidatos confirmados até o momento. A relevância de sua obra o coloca em posição de destaque, especialmente por ter consolidado uma produção que alia apuro estético à reflexão crítica sobre temas como memória, exílio, família e pertencimento.
Sua trilogia informal — composta por “Relato de um Certo Oriente” (1989), “Dois Irmãos” (2000) e “Cinzas do Norte” (2005) — conquistou, além do reconhecimento do público e da crítica, o prestigiado Prêmio Jabuti, reafirmando seu papel central na literatura brasileira das últimas décadas. Os três romances se passam em Manaus, cenário que Hatoum explora com profundo lirismo e precisão sensível, revelando as tensões e afetos de uma sociedade marcada por transformações históricas e conflitos íntimos.
Além da trilogia, o autor publicou obras como “Órfãos do Eldorado”, adaptado para o cinema, “A Cidade Ilhada”, coletânea de contos, e a trilogia mais recente, iniciada com “A Noite da Espera” (2017), em que revisita o Brasil dos anos de chumbo com olhar crítico e sofisticado. Hatoum concilia, como poucos, a escrita refinada e o olhar atento às contradições sociais e políticas brasileiras. Sua candidatura à ABL é, portanto, não apenas um gesto simbólico de afirmação da literatura do Norte, muitas vezes negligenciada nos centros de poder intelectual, mas também uma possível renovação nos quadros da instituição fundada por Machado de Assis.
A eleição está marcada para o dia 14 de agosto. Já no próximo dia 10 de julho, a escritora Ana Maria Gonçalves deve ser eleita como a primeira mulher negra a integrar a ABL, consolidando uma nova fase da Casa de Machado.
A seguir, os 10 livros mais conhecidos de Milton Hatoum, que ajudam a compreender a força e a diversidade de sua obra:
- Relato de um Certo Oriente
- Dois Irmãos
- Cinzas do Norte
- Órfãos do Eldorado
- A Noite da Espera
- Pontos de Fuga
- Lugar
- A Cidade Ilhada
- O Adeus do Comandante
- Um Solitário à Espreita
A candidatura de Milton Hatoum à Academia Brasileira de Letras representa mais do que uma disputa por uma cadeira simbólica: é um gesto de reconhecimento à força literária oriunda da Amazônia e ao papel transformador da literatura na construção da identidade nacional. Sua obra, marcada por narrativas densas, afetivas e politicamente engajadas, construiu pontes entre o regional e o universal, colocando Manaus no mapa da ficção brasileira com altivez e profundidade.
Caso eleito, Hatoum levará à ABL não apenas o peso de sua trajetória premiada, mas também uma voz que amplia os horizontes da cultura nacional, fortalecendo o compromisso da instituição com a diversidade, a memória e a renovação literária do país. Em tempos de transição e abertura na Casa de Machado, sua entrada pode sinalizar um novo ciclo, onde o Brasil plural e periférico também se faz centro.