Meteorito de Bendegó: Um menino que um dia tropeçou numa pedra gigante do espaço

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No coração do sertão baiano, uma pedra incomum repousava silenciosa, pesada demais para ser ignorada, antiga demais para ser compreendida de imediato. Encontrada em 1784 por um jovem pastor chamado Domingos da Motta Botelho, essa rocha — de aparência escura, metálica e misteriosa — viria a ser conhecida como o Meteorito de Bendegó.

Desde então, essa testemunha milenar de eras cósmicas atravessou trilhos, mares e séculos até se tornar símbolo nacional da ciência e da resistência cultural. A cada novo olhar lançado sobre ele, cresce a curiosidade e a reverência por sua história. Do impacto que o lançou à Terra às mãos que quase o transformaram em cascalho de estrada, Bendegó é muito mais que um fragmento do espaço — é parte do que somos.

A origem estelar e o impacto no sertão

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O Meteorito de Bendegó é classificado como um siderito — um meteorito metálico composto por ferro e níquel, que representa parte do núcleo de antigos corpos celestes destruídos por colisões. Seu peso de mais de 5,3 toneladas e seus 2,2 metros de comprimento impressionam não apenas pelo porte físico, mas pela idade cósmica: estima-se que tenha se formado há bilhões de anos, nos primórdios do Sistema Solar.

Foi encontrado por acaso, em 1784, nos arredores do riacho Bendegó, na Bahia. O jovem Domingos da Motta Botelho tropeçou nessa “pedra incomum” enquanto pastoreava gado. O pai, intrigado, levou a notícia às autoridades, e rapidamente a colônia portuguesa percebeu que não se tratava de algo trivial.

A epopeia do transporte: o meteoro que caiu duas vezes

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Em 1785, o governador da Capitania da Bahia, D. Rodrigues Menezes, ordenou o transporte do meteorito até Salvador. O plano, no entanto, saiu desastrosamente errado. O meteorito foi içado por doze bois e arrastado com cordas até que… rolou encosta abaixo e afundou no leito do riacho. Lá permaneceu, imponente e inamovível, por mais de cem anos, tempo suficiente para que o nome do curso d’água se tornasse sinônimo da própria rocha.

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Em 1886, Dom Pedro II, então no auge de sua paixão pela ciência, conheceu o caso durante visita à Academia de Ciências de Paris e determinou sua remoção definitiva. A missão, liderada pelo engenheiro José Carlos de Carvalho, foi um feito de engenharia do século XIX: com trilhos, bois e muito esforço humano, o meteorito foi levado até Salvador, exibido por alguns dias, depois embarcado para Recife e, finalmente, para o Rio de Janeiro.

No dia 15 de junho de 1888, Bendegó chegou à capital do Império, onde foi recebido pela Princesa Isabel e exposto com grande pompa no Museu Nacional.

A fama internacional

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Tornou-se uma das maiores estrelas do acervo do Museu Nacional. Visitantes do mundo inteiro o contemplaram — incluindo, em 1925, ninguém menos que Albert Einstein, que fez questão de conhecê-lo pessoalmente durante visita ao Brasil (foto acima).

Quatro réplicas em tamanho real foram feitas e distribuídas em instituições distintas: o Palais de la Découverte, em Paris; o Museu do Sertão, em Monte Santo (Bahia); o Museu Antares de Ciência e Tecnologia, em Salvador; e outra em Feira de Santana.

Mesmo fora da vitrine, sua fama seguiu viva em livros escolares, cordéis e teses acadêmicas. Sua composição foi usada como referência científica e histórica. Bendegó tornou-se metáfora da perseverança, da ciência em meio às adversidades e da memória nacional.

A lenda da seca e a destruição do obelisco imperial

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Ao redor de um objeto tão singular, as histórias populares não tardaram a florescer. Após a retirada do meteorito, foi erguido um monumento em forma de pirâmide, conhecido como Obelisco de Dom Pedro II, com inscrições homenageando o imperador e os engenheiros responsáveis pelo transporte. Logo após sua construção, o Nordeste enfrentou a maior seca de sua história, que matou cerca de 400 mil pessoas.

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A população local, movida pela dor e pelas crenças religiosas da época, destruiu o obelisco. Acreditavam que a retirada da “pedra celestial” havia provocado a ira divina. Outra homenagem foi posteriormente feita: o Obelisco de Bendegó, na estação ferroviária de Jacurici, que celebrava a vitória da engenharia nacional na empreitada de transporte do meteorito.

O incêndio no museu, em 2018

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Em setembro de 2018, o Brasil e o mundo assistiram atônitos à destruição do Museu Nacional por um incêndio de grandes proporções. Artefatos históricos, fósseis raros, peças indígenas e parte significativa da memória nacional foram consumidos pelas chamas.

No entanto, ao se dissipar a fumaça, lá estava ele: o Meteorito de Bendegó, intacto. Nenhuma rachadura, nenhuma deformação. A rocha que já havia enfrentado os rigores do espaço, da queda e da ignorância humana resistia novamente — desta vez ao fogo.

Curiosamente, o meteorito já havia sido submetido ao fogo no século XIX por dois naturalistas alemães, Spix e Martius, que tentaram extrair amostras após manterem-no em chamas por 24 horas. As amostras hoje estão em museus europeus, com destaque para o Museu de Munique.

Meteoritos como o de Bendegó são testemunhas silenciosas da formação planetária. São pedaços de corpos celestes maiores que sofreram colisões e foram ejetados ao espaço. Ao entrarem na atmosfera da Terra, se tornam meteoros — e, se resistem ao atrito e chegam ao solo, se tornam meteoritos.

Bendegó é um fragmento de ferro e níquel do núcleo de um corpo ancestral do Sistema Solar. Estava aqui, repousando no Brasil, há milhares de anos antes mesmo de os primeiros humanos pisarem no sertão. Seu estudo ajuda a entender a composição do universo e oferece uma conexão direta com nossa origem cósmica.

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Cordel, ciência e cultura popular

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A importância simbólica do meteorito transcendeu os muros da academia. Em versos de cordel, ele virou lenda e resistência:

“A pedra constituída
De ferro, níquel e encanto.
Até o dia de hoje
Provoca tristeza e espanto.
Queremos nossa pedra de volta
De volta pro nosso canto.”

Esses versos, da obra A Saga da Pedra do Bendegó, revelam o sentimento de pertencimento que a população do sertão mantém com esse fragmento do espaço. Um sentimento que mescla ciência, fé e saudade.

O Meteorito de Bendegó não é apenas uma relíquia científica — é um símbolo de identidade, resistência e memória. Sua história é entrelaçada com a do Brasil: do sertão à corte, da ignorância ao conhecimento, do abandono à consagração. Sobreviveu a incêndios, quedas, lendas, guerras e negligências.

E, ainda assim, permanece ali, sólido, enigmático, silencioso. Ele não fala, mas diz muito. Sobre o cosmos, sobre nós e sobre o tempo. Que sua presença continue a inspirar olhares curiosos e mentes inquietas — pois cada centímetro daquela rocha carrega consigo bilhões de anos de histórias não contadas.