A costa de Madagascar, conhecida por seus recifes traiçoeiros e águas cristalinas, acaba de revelar um segredo que atravessou séculos. Arqueólogos marítimos acreditam ter localizado os destroços do navio português Nossa Senhora do Cabo, que naufragou no século XVIII após ser interceptado por alguns dos piratas mais temidos da história. A embarcação, segundo registros históricos, transportava não apenas uma fortuna em metais preciosos, mas também figuras de alto escalão do império luso, como o vice-rei da Índia portuguesa e o arcebispo de Goa.
A identificação foi anunciada por uma equipe do Centro de Preservação de Naufrágios Históricos, que opera com apoio de mergulhadores especializados em locais arqueológicos submersos. A embarcação foi localizada próxima à ilha de Nosy Boraha — conhecida nos tempos coloniais como Île Sainte-Marie — ponto estratégico durante a chamada Era de Ouro da Pirataria, quando corsários e ladrões dos mares transformaram a região em reduto de operações clandestinas.
O ataque pirata que reescreveu o destino da viagem
Datado de 1721, o episódio que levou ao naufrágio do Nossa Senhora do Cabo é digno de romance. O navio partira da Índia, onde havia sido carregado com ouro, prata e pedras preciosas, rumando para Portugal como parte do comércio imperial. A bordo, além da carga valiosa, estavam dois passageiros ilustres: o vice-rei da Índia portuguesa e o arcebispo de Goa, figuras de alta importância política e religiosa na administração colonial.
A jornada, no entanto, foi interrompida por uma emboscada comandada pelos piratas Olivier Levasseur, conhecido como La Buse, e John Taylor, ambos lendários por seus ataques impiedosos nas rotas do Oceano Índico. Os relatos históricos afirmam que a embarcação foi saqueada, e seu destino, por muito tempo, permaneceu um enigma — até agora.
Mais de 3 mil artefatos resgatados das águas
Os trabalhos de escavação subaquática renderam mais de 3.300 peças arqueológicas, muitas delas em excelente estado de preservação. Entre os achados, destacam-se artefatos religiosos e objetos fabricados em Goa, que funcionava à época como uma das principais colônias portuguesas na Ásia. A presença desses itens fortalece a tese de que os destroços pertencem, de fato, ao Nossa Senhora do Cabo.
Segundo Brandon Clifford, diretor da expedição e do centro de pesquisa envolvido na operação, as evidências são “extremamente consistentes” com os registros portugueses da época. “Estamos diante de uma descoberta histórica não só por seu valor material, mas pelo que ela representa em termos de reconstrução da navegação luso-oriental e da atividade pirata no Oceano Índico”, afirmou em comunicado.
A região de Nosy Boraha, embora hoje seja um destino turístico de águas calmas e recifes exuberantes, carrega uma história recheada de confrontos marítimos. Durante os séculos XVII e XVIII, a ilha foi um refúgio estratégico para piratas de diferentes nacionalidades, que exploravam as rotas comerciais entre a Europa, a África e a Ásia. Era comum que embarcações carregadas de tesouros fossem atacadas, com ou sem sobreviventes, e seus vestígios desaparecessem no fundo do mar.
A descoberta do Nossa Senhora do Cabo reacende o interesse por esse capítulo sombrio da história oceânica. Além disso, pode fornecer novas pistas sobre o paradeiro de outros navios perdidos, inclusive embarcações de outras nações europeias envolvidas na exploração colonial.
La Buse
O nome de Olivier Levasseur, o La Buse, desperta fascínio não apenas pelo saque ao navio português, mas por outro detalhe: ele teria deixado um código secreto, um criptograma supostamente indicando a localização de um tesouro enterrado. Desde sua execução pública em 1730, o mistério do “mapa perdido” desafia caçadores de relíquias ao redor do mundo. A conexão do naufrágio com sua história pode reacender buscas por esse legado ainda mais obscuro da pirataria global.
Conclusão
A recuperação do Nossa Senhora do Cabo é mais do que a redescoberta de um navio afundado — é uma ponte arqueológica entre o império português, a violência da pirataria e os meandros esquecidos do comércio marítimo do século XVIII. A cada artefato resgatado, uma nova camada da história emerge, desafiando o silêncio das profundezas.
LEIA MAIS: Arqueólogos encontram agulhas de acupuntura de 2.000 anos
Apaixonada pela literatura brasileira e internacional, Heloísa Montagner Veroneze é especialista na produção de conteúdo local e regional, com ênfase em artigos sobre livros, arqueologia e curiosidades.