Mensagens secretas da realeza egípcia são encontradas ocultas no Obelisco de Paris

Entre os carros apressados e os turistas com celulares em punho na Place de la Concorde, em Paris, ergue-se silencioso o Obelisco de Luxor. O que muitos veem apenas como um monumento exótico de 30 metros de altura é, na verdade, uma cápsula do tempo enigmática do antigo Egito. Esculpido há mais de 3 mil anos, durante o reinado de Ramsés II, esse monólito de granito rosa era um dos dois obeliscos que ladeavam a entrada do Templo de Amon, em Luxor. Mas foi só durante a pandemia de Covid-19, em pleno século XXI, que um segredo milenar começou a vir à tona.

Jean-Guillaume Olette-Pelletier, egiptólogo da Universidade Paris-Sorbonne e do Instituto Católico de Paris, morava a poucos passos do obelisco e, limitado pelos confinamentos de 2020, começou a visitá-lo diariamente. Com binóculo em mãos e um caderno no colo, ele acabou descobrindo o improvável: aquele monumento já estudado à exaustão escondia mensagens ocultas, visíveis apenas a quem tivesse olhos (e conhecimento) para enxergar.

O que Olette-Pelletier encontrou foram “cripto-hieróglifos” — uma escrita altamente codificada que mistura arte, religião e política. Essa forma de linguagem só era compreendida por uma minúscula elite no Egito antigo e foi usada como meio de comunicação com os deuses e a aristocracia. Originalmente identificada na década de 1950 por Étienne Drioton, essa escrita secreta revela muito mais do que enfeites simbólicos: ela oferece pistas sobre como o faraó Ramsés II manipulava o discurso divino para consolidar seu poder.

O egiptólogo francês percebeu que entre os hieróglifos clássicos, discretamente entalhados em meio a desenhos minuciosos, havia símbolos como chifres de touro escondidos na coroa de Ramsés — formando a palavra ka, ou “força vital”. A partir disso, ele conseguiu ler a frase completa: “Apazigue a força ka de Amon”, uma mensagem sagrada, invisível ao olhar comum, mas evidente para os iniciados.

LER >>>  Egito antigo: O berço da luta contra o câncer

Com os preparativos para os Jogos Olímpicos de Paris 2024, o obelisco foi parcialmente envolvido por andaimes para restauração. Isso deu a Olette-Pelletier a chance de fazer algo que ninguém fazia desde o século XIX: examinar o topo do monumento. Foi então que ele confirmou o que já suspeitava — havia múltiplas camadas de mensagens escondidas nas quatro faces do obelisco.

Sete inscrições criptografadas foram identificadas, incluindo uma voltada originalmente para o rio Nilo. Nessa face, Ramsés II é retratado com a pschent, a coroa dupla do Alto e Baixo Egito, e ao lado, inscrições afirmam sua escolha divina. Tudo milimetricamente calculado para ser visto sob um ângulo específico durante o festival de Opet, por membros da corte real que se aproximavam de barco. Propaganda divina em estado bruto.

As inscrições revelam que o obelisco foi entalhado em duas fases distintas, perceptíveis pela mudança nos títulos do faraó. Inicialmente, Ramsés usava o nome Usermaatra, mas depois passou a se autodenominar Setepenra, “escolhido de Rá”. A escolha desse novo nome, associando-o ao deus-sol, não era estética. Era estratégia. Ramsés não descendia diretamente de faraós divinizados, então usou a religião como argumento político para reforçar sua legitimidade.

O obelisco, dessa forma, atuava como ferramenta dupla: instrumento de culto e peça de propaganda. Apenas a elite compreendia essa complexidade. Aos olhos do povo, era um tributo aos deuses. Aos olhos dos iniciados, uma declaração de poder absoluto.

Olette-Pelletier vai além: segundo ele, no Egito antigo, não havia diferença entre texto e imagem. Ambos eram veículos de comunicação com o sagrado. Muitas mensagens só se revelavam a partir de certos ângulos, movimentos ou posições específicas. Um exemplo disso está no trono de Tutancâmon, onde o corpo do jovem faraó completava uma frase hieroglífica quando sentado. Poesia visual. Comunicação divina.

LER >>>  Os segredos e tesouros das cidades milenares submersas nas águas do Rio Nilo

O trabalho de Jean-Guillaume Olette-Pelletier será publicado em breve na revista científica ENIM, prometendo uma nova leitura não só do Obelisco de Luxor, mas da própria narrativa do Egito faraônico. A descoberta feita a passos curtos durante o confinamento revela como a história, quando observada de perto, ainda pode surpreender mesmo após milênios.

LEIA MAIS: Identificada nova pirâmide descoberta no início do ano no Peru: a mais antiga das Américas