Santa Catarina se consolidou como o maior produtor de moluscos do Brasil, destacando-se na maricultura, uma atividade que combina tradição, inovação e sustentabilidade. Responsável por 70% da produção nacional, o estado conta com 356 maricultores que geram cerca de 1.500 empregos diretos no processo produtivo, além de impulsionar o turismo gastronômico e a preservação ambiental.
A história da maricultura catarinense, iniciada no final dos anos 1980 pela Epagri e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), reflete a evolução de uma atividade que transcendeu seu objetivo inicial de complementar a renda dos pescadores artesanais para se tornar um pilar econômico e cultural do estado.
No final da década de 1980, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), introduziu a maricultura no estado com o objetivo de oferecer uma fonte de renda alternativa para pescadores artesanais. Essa iniciativa visionária foi o ponto de partida para o desenvolvimento de uma indústria que, quase 45 anos depois, se tornou uma referência nacional.
Segundo Felipe Matarazzo Suplicy, biólogo e pesquisador da Epagri/Cedap, “a maricultura trouxe novas oportunidades para as comunidades costeiras de Santa Catarina, contribuindo para a diversificação da economia local e o fortalecimento da cadeia produtiva de moluscos”. Hoje, a atividade está presente em 12 municípios costeiros e transformou Santa Catarina em um líder na produção de moluscos no Brasil.
A maricultura em Santa Catarina não é apenas uma atividade econômica, mas também uma tradição familiar que se perpetua ao longo das gerações. Muitos dos atuais maricultores são a segunda geração de fazendeiros do mar, que aprenderam o ofício com seus pais, os pioneiros da maricultura catarinense.
Um exemplo é Leonardo Cabral Costa, de 45 anos, que cresceu acompanhando seu pai, Luiz Carlos, no cultivo de mexilhões no Bairro Santo Antônio, ao norte de Florianópolis. Conhecido como Seu Caio, Luiz Carlos foi um dos pioneiros do setor no estado e deixou um legado que Leonardo expandiu ao incorporar a produção de ostras e macroalgas. Além disso, Leonardo diversificou sua atuação ao entrar no mercado da gastronomia e do turismo, estabelecendo um restaurante e um frigorífico próprios.
“Começamos com uma petiscaria em 1998 para promover a ostra, que na época não fazia parte da gastronomia local”, relembra Leonardo. Hoje, ele produz de 2 a 3 milhões de unidades de ostras para consumo em seu restaurante e entre 8 e 11 milhões de unidades para engorda em outras fazendas marinhas, consolidando-se como um dos principais produtores da região.
Enquanto alguns maricultores herdaram a profissão, outros, como Raulino de Souza Filho, conhecido como Nino, escolheram a maricultura como um novo caminho de vida. Natural de Florianópolis, Nino iniciou sua trajetória na maricultura em 2002, quando tinha 32 anos. Ele começou com o cultivo de ostras na Praia de Fora, em Palhoça, e em 2007 migrou para o cultivo de mexilhões, estabelecendo a maior produtora de mexilhão do país.
Nino destaca a importância do apoio da Epagri e da UFSC no sucesso de sua empreitada. “Eu vi que a maricultura tinha futuro, mas sem o suporte técnico e a capacitação que recebi, não teria chegado onde estou”, afirma. Sua empresa, que atualmente também cultiva macroalgas, é um exemplo de como a maricultura pode ser uma atividade lucrativa e sustentável, desde que bem planejada e executada com inovação.
Além dos benefícios econômicos, a maricultura em Santa Catarina tem um papel significativo na preservação ambiental. De acordo com o pesquisador Felipe Matarazzo Suplicy, “o cultivo de algas e moluscos contribui para a remoção de nutrientes que são lançados no oceano por outras atividades humanas, ajudando a melhorar a qualidade da água e aumentando a biodiversidade local”.
Esse processo, conhecido como aquicultura restaurativa, ocorre quando a atividade de cultivo não apenas sustenta economicamente as comunidades, mas também proporciona benefícios ecológicos, como a redução de poluentes e o fortalecimento dos ecossistemas marinhos. As fazendas de maricultura, ao criarem habitats complexos, ajudam a atrair uma variedade de espécies marinhas, contribuindo para a conservação da vida marinha em Santa Catarina.
A relação entre maricultura e sustentabilidade é tão forte que Florianópolis se tornou a primeira cidade brasileira a integrar a Rede Mundial de Cidades Criativas da Unesco na categoria gastronomia. As rotas gastronômicas da Ilha de Santa Catarina, que incluem visitas às fazendas marinhas e degustações de moluscos frescos, são um exemplo de como a maricultura pode agregar valor ao turismo local, promovendo a economia e a cultura da região de maneira sustentável.
Apesar dos avanços, a maricultura em Santa Catarina enfrenta desafios significativos. Os maricultores lidam com questões como o roubo de moluscos, a poluição marinha, e as marés vermelhas — fenômenos causados por algas tóxicas que podem contaminar os moluscos e inviabilizar sua comercialização. Além disso, eles precisam navegar por uma complexa rede de regulamentações que governam a ocupação do mar e a produção de alimentos.
“A maricultura é uma atividade que exige muita perseverança e resiliência”, comenta Suplicy. “É um trabalho árduo, que muitas vezes é realizado em condições adversas, como dias de chuva ou mar agitado. No entanto, os maricultores catarinenses têm mostrado que, com dedicação e inovação, é possível superar os desafios e continuar a crescer”.
A inovação tem sido uma aliada fundamental para a superação desses desafios. A mecanização do sistema produtivo, adotada por maricultores como Leonardo Cabral Costa e Raulino de Souza Filho, permitiu otimizar o uso das áreas de cultivo e aumentar a produtividade. Essa modernização é essencial para garantir a competitividade da maricultura catarinense no mercado global, especialmente em um contexto de mudanças climáticas e pressões ambientais crescentes.
A importância da maricultura para Santa Catarina é evidente nos números. Segundo a Epagri, a produção de moluscos na safra de 2021 foi de 11.978,2 toneladas, o que representa um setor que envolve mais de 5 mil postos de trabalho ao longo de toda a cadeia produtiva. Isso inclui desde a produção de equipamentos e insumos até a distribuição e venda dos moluscos para milhares de consumidores finais.
A cadeia produtiva da maricultura também tem um impacto significativo na economia local. Os maricultores não apenas produzem moluscos, mas também contribuem para o desenvolvimento de indústrias complementares, como a de turismo gastronômico. As rotas gastronômicas de Florianópolis, que destacam a produção local de ostras e mexilhões, são um exemplo de como a maricultura pode ser integrada a outras atividades econômicas para gerar emprego e renda.