Caso de mãe de Guarujá do Sul, levanta debate sobre os limites legais da educação domiciliar no Brasil; MPSC diz que a instituição não pode se manifestar sobre casos específicos
Regiane Cichelero Werlang, moradora de Guarujá do Sul, é mãe educadora e vive uma batalha judicial que ganhou repercussão nacional: o direito de educar o próprio filho, de 15 anos, em casa. O julgamento de seu caso, previsto para a segunda-feira (1º), foi retirado de pauta e, até o momento, não tem uma nova data, segundo Regiane. Com isso, a expectativa sobre o futuro de sua escolha pela educação domiciliar segue em aberto.
Em 2020, durante o isolamento social da pandemia, com o filho em casa, na época com 10 anos, ela percebeu que o desempenho escolar dele estava abaixo do esperado.
“Ele não conseguia avançar em determinados conteúdos porque não tinha base. O estilo de aprendizado dele era muito diferente e isso não era culpa da escola, mas minha, por não perceber antes”, contou em entrevista ao ND Mais.
Diante das dificuldades, Regiane começou a estudar métodos de ensino e descobriu a possibilidade da educação domiciliar, ou “homeschooling”. Após meses de pesquisa, decidiu educar o filho integralmente em casa.
No retorno das aulas presenciais, recusou-se a rematriculá-lo na escola municipal da cidade — a única disponível — alegando que sua decisão era pedagógica e fundamentada.
Medidas administrativas e jurídicas
A atitude motivou uma série de medidas administrativas e judiciais. A escola acionou o Conselho Tutelar, que, por sua vez, encaminhou o caso ao Ministério Público o que resultou em medidas judiciais contra a família.
A história começou em março de 2021, quando, com o fim das restrições da pandemia, as escolas foram reabertas. Regiane e o marido decidiram manter o filho em casa, praticando a educação domiciliar, prática conhecida como homeschooling.
Mas a decisão resultou em uma ação judicial, em 30 de março de 2022, o Ministério Público de Santa Catarina entrou com processo contra a família, e desde então, a Justiça emitiu duas liminares obrigando a matrícula do garoto, sob pena de multa.
A primeira, em abril de 2022, fixava multa de 3 a 20 salários-mínimos. A segunda, em julho do mesmo ano, estabeleceu multa diária de R$ 1 mil e chegou a cogitar o acolhimento institucional do menino. Logo após, o Ministério Público pediu o acolhimento.
Posteriormente, a mãe foi condenada a pagar R$ 20 mil por descumprimento da ordem judicial e mais três salários-mínimos por “falha no dever de prestar educação”.
Mãe alega que filho não foi ouvido
“Nunca houve uma avaliação social ou psicológica. Meu filho não foi ouvido, mesmo com meus pedidos para que promotores ou o juiz visitassem nossa casa. Não tivemos a chance de apresentar provas”, disse Regiane.
A sentença foi contestada e o recurso seria julgado agora, em 1º de julho. No entanto, o julgamento foi adiado e não tem uma nova data definida. O TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) informou, apenas, que o processo corre em segredo de justiça.
A causa mobilizou advogados e ativistas da educação domiciliar em todo o país. Uma equipe jurídica passou a representar Regiane, defendendo que sua decisão não configurava abandono intelectual, mas sim uma alternativa educativa válida e estruturada.
Além do filho de 15 anos, a mãe também já ensina em casa as duas filhas mais novas que ainda não estão em idade escolar.
Educação domiciliar transformou a rotina e o desempenho do filho, alega a mãe
Para Regiane, a decisão pela educação domiciliar representou uma verdadeira virada na vida do filho.
“Foi um salto surpreendente. Foram horas de estudo e remanejamento de estratégia até entender como ele conseguia aprender melhor e as dificuldades que ele tinha. Diversos conteúdos precisamos voltar e começar do zero para ter uma boa base e agora, finalmente, ele está alinhado com o 1º ano do Ensino Médio”, conta a mãe.
A rotina da família se adaptou à nova realidade. “Nossa casa é toda alinhada com a decisão que tomamos. A rotina flui conforme a demanda de estudos. Em geral, ele estuda pela manhã, alguns conteúdos e atividades à tarde ou à noite, isso depende do dia.”
No início, Regiane ensinava todo o conteúdo sozinha, contando com sua experiência acadêmica — ela é formada em Direito, pós-graduada e quase concluindo licenciatura em Pedagogia. Também já deu aulas para turmas do Ensino Fundamental e Médio em escolas públicas.
Como é a rotina do adolescente?
Atualmente, o filho recebe tutoria em algumas disciplinas, estuda outras com a mãe e, em alguns casos, aprende de forma autodidata. “História é a matéria preferida dele. Eu organizo o que ele deve estudar e acompanho, mas ele é livre para aprofundar os conteúdos da forma que entender melhor”, explicou.
Segundo Regiane, o filho nunca se adaptou ao ambiente escolar tradicional. “Um ano antes da pandemia precisei levá-lo a acompanhamento psicológico justamente por ele não querer mais ir à escola. Ele tinha muita dificuldade de aprendizado e foi em casa que ele conseguiu se encontrar na forma de estudar e adaptar as necessidades de estudo às suas individualidades”, acrescentou a mãe.
Outro ponto sensível, segundo Regiani, era a socialização. “Ele tinha uma grande reclamação: não tinha amigos, apenas um colega com quem era mais chegado, mas na escola não podiam brincar, nem conversar. Foi após o início da educação domiciliar que ele desenvolveu laços de amizade verdadeiros. Mudamos de cidade e, mais uma vez, fez muitos amigos.”
Segundo a mãe, é difícil explicar, mas para ele essa é a forma que funciona com ele. “Se tivesse como mostrar o desempenho antes e depois, daria para ter uma noção mais adequada. Se hoje ele me dissesse que queria voltar para a escola, eu precisaria respeitar essa decisão dele, mas nunca mencionou isso. Aliás, ele ficou extremamente indignado com a ameaça de acolhimento”.
Educação domiciliar é constitucional?
A prática do homeschooling ainda precisa de regulamentação nacional clara, embora o STF (Supremo Tribunal Federal) tenha decidido, em 2018, que ela só é possível mediante regulamentação legal — o que ainda não ocorreu.
O ministro Alexandre de Moraes, manteve, em outubro de 2023, o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que declarou inconstitucional a lei estadual que previa a educação domiciliar.
O TJSC considerou que o tema da educação domiciliar é de competência exclusiva da União e que a norma, de iniciativa parlamentar, também invadia a competência do Executivo municipal ao criar novas atribuições e despesas.
Ao negar seguimento ao recurso do governador Jorginho Mello, Moraes reforçou que o homeschooling só pode ser regulamentado por meio de lei federal, conforme já decidido pelo STF em repercussão geral.
O que diz o Ministério Público
Procurado para comentar o caso, o MPSC esclareceu que os procedimentos que envolvem a infância e juventude tramitam sob segredo de Justiça, conforme determina o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Por esse motivo, a instituição não pode se manifestar sobre casos específicos.
No entanto, o MPSC destaca que, embora o ensino domiciliar (ou homeschooling) não seja considerado inconstitucional, ele ainda não é reconhecido como modalidade válida de ensino no Brasil, uma vez que falta uma lei federal específica para regulamentá-lo.
A questão já foi analisada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que condicionou a prática à criação de uma norma nacional, algo que ainda não ocorreu. Além disso, o órgão lembra que cabe exclusivamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação, conforme prevê o artigo 22, inciso XXIV da Constituição Federal.
Nesse contexto, o TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) já declarou inconstitucional uma lei estadual que permitia o ensino domiciliar, decisão que foi confirmada pelo STF.
Diante disso, o MPSC afirma que tem o dever constitucional de zelar pela matrícula e frequência regular de crianças e adolescentes na rede de ensino, conforme assegura a legislação federal.
A educação é um direito fundamental garantido pela Constituição, e a matrícula escolar é obrigatória dos 4 aos 17 anos de idade. O descumprimento dessa exigência por parte dos responsáveis pode configurar infração administrativa, passível de sanção, nos termos do artigo 249 do ECA.
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Fonte ND+
Com vasta experiência no jornalismo, Rossy Ledesma é especialista na produção de conteúdos relacionados à segurança, assuntos do Mercosul e a relação entre Brasil e Argentina, bem-estar, conteúdo local e regional.