Indícios de vida em um oceano escondido sob a superfície congelada da maior lua de Saturno. Essa é a intrigante possibilidade levantada por cientistas das universidades de Harvard e do Arizona, nos Estados Unidos. Em estudo publicado no The Planetary Science Journal, os pesquisadores sugerem que Titã, com seus rios e lagos de metano líquido, pode abrigar formas de vida microscópicas bem abaixo de sua crosta gelada.
Titã é a segunda maior lua do Sistema Solar e chama atenção não apenas pelo tamanho, mas por suas características únicas. Sua atmosfera é densa, rica em metano e outros compostos de carbono e hidrogênio, além de possuir mares, rios e lagos compostos por metano e etano em estado líquido — uma raridade fora da Terra. A superfície é extremamente fria, o que impossibilita a presença de água líquida na parte externa. Ainda assim, sob essa crosta gélida, pode haver um oceano profundo com potencial para sustentar vida.
Apesar de parecer um lugar inóspito, Titã vem sendo observado de perto por astrônomos e astrobiólogos justamente porque abriga moléculas orgânicas complexas, essenciais para a vida como conhecemos. Sua atmosfera, inclusive, tem semelhanças com a da Terra primitiva — rica em nitrogênio e outros compostos que, em nosso planeta, antecederam o surgimento dos primeiros seres vivos.
Essa combinação única de fatores coloca a lua na lista de corpos celestes com maior potencial para abrigar vida no Sistema Solar. Por isso, os cientistas se aprofundaram na investigação sobre onde essa vida poderia estar, como funcionaria e qual seria sua extensão.
Eles estimam que o oceano subterrâneo de Titã tenha cerca de 480 quilômetros de profundidade. Dentro dele, a matéria orgânica que se acumula na superfície poderia, em teoria, servir de fonte de energia para microrganismos, sustentando uma forma de vida baseada em fermentação — um processo bioquímico que não depende de oxigênio, como o que pode ter ocorrido na Terra primitiva.
A glicina como chave para a vida fora da Terra
Para entender o possível metabolismo desses micróbios teóricos, os pesquisadores se concentraram em um composto em especial: a glicina. Trata-se de um aminoácido simples, encontrado em meteoritos e cometas, e considerado uma das moléculas mais abundantes na formação inicial do Sistema Solar.
As simulações feitas pela equipe mostraram que a glicina, vinda da superfície, poderia alimentar esses organismos. No entanto, o problema está no transporte desse material até o oceano subterrâneo. A crosta de gelo é espessa demais para permitir uma infiltração constante. Mas há uma possibilidade: o impacto de meteoros poderia derreter partes do gelo, criando “poças” temporárias de água líquida que, ao escorrer, arrastariam compostos orgânicos até o subsolo.
Ainda assim, os cientistas alertam que, mesmo nas melhores condições, a vida em Titã seria escassa. Estima-se que, no máximo, a biosfera suportada por essa matéria orgânica não passaria de alguns quilos de biomassa, o equivalente ao peso de um cachorro de pequeno porte.
Missão Dragonfly: a próxima grande aposta da NASA
Diante dessas evidências, a NASA prepara uma missão ambiciosa. Previsto para ser lançado em julho de 2028, o helicóptero Dragonfly deve pousar em Titã por volta de 2034. O objetivo é sobrevoar diversos pontos estratégicos da lua em busca de compostos prebióticos semelhantes aos que deram origem à vida na Terra.
Será a primeira vez que a agência espacial norte-americana testará um veículo voador em outro corpo planetário que não seja Marte. A expectativa é de que a Dragonfly ajude a confirmar (ou descartar) a presença de compostos orgânicos ativos e trace um retrato mais preciso da habitabilidade de Titã.
O estudo recente, portanto, contribui de maneira significativa para redirecionar os esforços de exploração. Os autores reforçam, contudo, que encontrar vida na lua de Saturno pode ser um desafio hercúleo. Caso ela exista, estará escondida em profundezas inacessíveis, em quantidade mínima e com recursos extremamente limitados.
“Nosso estudo mostra que o vasto estoque de moléculas orgânicas de Titã pode não estar acessível à vida como se imaginava”, afirmou o pesquisador Antonin Affholder. “Mesmo que existam micróbios lá, seu número seria muito reduzido.”
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