É natural imaginar que um escritor nutra carinho especial por cada linha que produz. Afinal, livros frequentemente carregam traços de sua alma: ideias, memórias, visões de mundo e até feridas abertas. Contudo, a história da literatura prova que a relação entre autor e obra pode ser turbulenta. Existem livros que, mesmo consagrados, foram desprezados pelos próprios criadores.
1. O Pequeno Príncipe — Antoine de Saint-Exupéry
Hoje traduzido para mais de 500 idiomas, o livro é símbolo universal de sensibilidade e filosofia leve. Porém, quando o escreveu durante o exílio nos Estados Unidos, Exupéry vivia uma fase amarga da vida. Acreditava que a simplicidade da história — escrita para crianças — não conectaria com adultos, nem refletia seus conflitos existenciais durante a guerra. Sem imaginar o impacto futuro, ele chegou a considerar a obra “um pequeno devaneio”, distante da literatura madura que pretendia produzir. Ironia do destino: sua genialidade estava justamente nessa pureza.

2. O Velho e o Mar — Ernest Hemingway
Hemingway era obcecado pela excelência. A novela que renderia a ele o Pulitzer e contribuiria para seu Nobel foi encarada pelo próprio autor como apenas um exercício de estilo. Ele acreditava que não havia alcançado a profundidade necessária para expressar o sofrimento humano que desejava retratar. Ao se ver consagrado por aquilo que considerava “imperfeito”, sentiu ainda mais distância entre a obra idealizada e a publicada.

3. A Letra Escarlate — Nathaniel Hawthorne
Hawthorne tinha horror à fama repentina e aos holofotes. Ao transformar em literatura as tensões do puritanismo americano, despertou discussões nacionais sobre moral e pecado. Porém, para ele, o livro era apenas uma estratégia comercial: precisava de dinheiro para sobreviver e odiava a ideia de ter escrito algo condicionando o talento à necessidade financeira. Apesar disso, a obra tornou-se referência fundamental da literatura dos EUA.

4. David Copperfield — Charles Dickens
Embora fosse uma de suas histórias mais pessoais, baseada em experiências da própria infância, Dickens julgava que algumas partes do livro se tornaram melodramáticas demais. Ele lamentava principalmente a construção de personagens que julgava exagerados e pouco verossímeis. O público, no entanto, enxergou nessas qualidades o grande charme da obra e transformou “David Copperfield” em um de seus grandes clássicos.

5. O Morro dos Ventos Uivantes — Emily Brontë
Emily nunca buscou a fama. Tímida e avessa ao mundo editorial, ela viu sua obra ser vista como chocante, violenta demais — sobretudo na construção trágica de Heathcliff. A repercussão negativa inicial a fez rejeitar o livro, considerando-o sombrio demais para ser associado ao seu nome. Justamente essa coragem temática fez o romance sobreviver ao tempo e se tornar símbolo de paixão intensa e descontrole humano.

6. A Metamorfose — Franz Kafka
Kafka via sua própria escrita como inadequada, imperfeita e angustiantemente distante do que imaginava. No caso de “A Metamorfose”, sentia vergonha do ritmo do texto e da alegoria do homem transformado em inseto. Pediu que tudo fosse queimado após sua morte — um desejo ignorado brilhantemente por Max Brod. Sem esse ato de desobediência, um dos pilares da literatura moderna jamais existiria para o mundo.

7. O Príncipe — Nicolau Maquiavel
O autor se arrependeu profundamente da obra que escrevera como presente político para os Médici, a fim de recuperar influência política. O tiro saiu pela culatra: o livro foi interpretado como a defesa de tiranos e causou a ruína de sua reputação. Maquiavel passou séculos sendo visto como manipulador cruel — quando, originalmente, pretendia ser analista da realidade política, não seu entusiasta.

8. Crepúsculo — Stephenie Meyer
Explodindo como fenômeno adolescente mundial, a saga ficou marcada por romances intensos e criaturas sobrenaturais. Com o passar dos anos, Meyer passou a ver na história elementos “problemáticos”, como dependência emocional, diálogos que considera imaturos e um público que a colocou em uma caixa da qual não consegue sair. Apesar de seu incômodo, os fãs continuam consumindo tudo relacionado ao universo de Bella e Edward.

9. O Hobbit — J. R. R. Tolkien
Tolkien escreveu “O Hobbit” quase como uma brincadeira, para seus filhos. Quando a obra ganhou dimensões internacionais, ele se frustrou com o rótulo de escritor infantil. Ao desenvolver a mitologia grandiosa da Terra-média, passou a encarar o livro como superficial perante a complexidade que desejava. Muitos leitores, no entanto, enxergam justamente ali a porta de entrada perfeita para o universo de “O Senhor dos Anéis”.

10. O Sol Também se Levanta — Ernest Hemingway
Em outra demonstração de perfeccionismo, Hemingway revelou repulsa pela própria falta de maturidade ao retratar a boemia europeia pós-guerra. Para ele, o romance era cheio de vaidades pessoais, quase uma vitrine de suas experiências como expatriado. O público discordou e consagrou a obra como espelho de uma geração perdida que procurava sentido no caos pós-Primeira Guerra.

Conclusão
O que esses episódios revelam é que nem sempre a obra que o mundo ama é a mesma que o autor deseja guardar para si. A criação literária nasce de emoções intensas, mas cresce sob a crítica de todos — inclusive de quem a escreveu.
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