Introdução: por que os livros de culinária voltaram a ocupar espaço nas estantes?
Os livros de culinária deixaram de ser apenas fontes de receitas para se tornarem obras que explicam a gastronomia como cultura, ciência e história. Hoje, leitores buscam compreender origens, técnicas, tradições e até mitos alimentares, transformando o ato de cozinhar em expressão de identidade e memória. Assim, obras que revelam técnicas básicas, investigam a cozinha francesa, valorizam a culinária brasileira ou questionam a tradição italiana mostram que cozinhar também é contar histórias.
Sal, gordura, ácido, calor: o estudo técnico que virou filosofia de cozinha
Publicado por Samin Nosrat, Sal, gordura, ácido, calor consolidou-se como uma das obras mais premiadas e estudadas dos últimos anos. Ganhador do James Beard Award 2018, o livro não apresenta apenas receitas, mas uma verdadeira base de domínio culinário. A autora, responsável por ensinar até mesmo o respeitado escritor Michael Pollan, defende que cozinhar bem não depende de centenas de pratos decorados: bastaria compreender profundamente quatro elementos essenciais para transformar qualquer alimento em uma experiência inesquecível.
O livro explica, com rigor científico e clareza didática, como o sal realça sabores, a gordura amplia texturas, o ácido equilibra intensidades e o calor define o ponto exato. Com mais de cem receitas e variações, Nosrat apresenta vinagretes, vegetais caramelizados, carnes suculentas e massas de torta que se desfazem na boca. Traduzido por Nina Horta, com prefácio de Pollan, o livro extrapolou as páginas e tornou-se série da Netflix, provando que técnica culinária pode ser entretenimento, aprendizado e revolução na cozinha doméstica.

A Deliciosa História da França: quando cozinhar é contar a história de um país
Enquanto alguns livros ensinam técnicas, outros revelam o passado. Em A Deliciosa História da França, Stéphane Hénaut mostra que a gastronomia francesa não é apenas resultado de segredos de grandes chefs, mas também fruto de batalhas, disputas políticas, invasões, revoltas e episódios surpreendentes. O livro narra, com tom investigativo, curiosidades que vão desde o crepe que derrotou Napoleão até pratos que acalmaram revoltas populares.
Com humor irônico, pesquisa histórica rigorosa e um olhar que mistura antropologia e cotidiano, Hénaut demonstra que comer, muitas vezes, é ato de resistência. Escrito com a colaboração de uma pesquisadora norte-americana especialista em história militar, a obra explora o papel dos alimentos como força estratégica e símbolo social, transformando o leitor em testemunha de uma culinária que influenciou reinos, guerras e costumes, muito além dos restaurantes estrelados.

Gastronomia Brasileira: da Tradição à Cozinha de Fusão
Quando o assunto é Brasil, o livro do Instituto Le Cordon Bleu oferece uma perspectiva grandiosa sobre a culinária nacional. Premiada internacionalmente, a obra Gastronomia Brasileira: da Tradição à Cozinha de Fusão apresenta 80 receitas que revelam a pluralidade de técnicas, ingredientes e memórias que compõem a alimentação do país. Dividido em capítulos equilibrados — entradas, pratos principais, doces e bebidas — o livro combina gastronomia afetiva com inovação de chefs formados pela escola francesa.
Receitas clássicas como acarajé, tacacá, bobó de camarão e coxinha convivem com criações autorais que unem tambaqui à mousseline de foie gras ou flã de açaí a técnicas francesas. O diferencial está no cuidado visual: todas as receitas possuem passo a passo ilustrado, nível de dificuldade e indicações de armazenamento adequado. Ao receber avaliações elogiosas de grandes veículos como Estado de São Paulo, Elle e Casa Vogue, o livro reafirma que a cozinha brasileira não é apenas sabor — é ciência, tradição e vanguarda.

As mentiras da nonna: o livro que desmontou a “tradição italiana”
Em contrapartida a obras que exaltam tradições, As mentiras da nonna, do historiador Alberto Grandi, desmonta crenças populares ao afirmar que grande parte da culinária italiana celebrada no mundo é construída pelo marketing e não pela história. O autor revela que pratos como carbonara e pizza, entre outros ícones, não possuem origem tão antiga quanto imaginamos e muitos deles foram criados, adaptados e até reinventados nos Estados Unidos.
A controvérsia do livro chocou italianos e seus descendentes ao indicar que o famoso queijo parmesão mais fiel à sua fórmula original estaria em Wisconsin, e não na região de Parma. Ao questionar a tradição, Grandi não desvaloriza a cozinha italiana; ele mostra como a cultura alimentar é dinâmica, moldada por movimentos econômicos, migrações e publicidade. Sua proposta é enxergar a gastronomia como construção social, não como mito imutável.

Da botica ao boteco: a coquetelaria que nasceu como remédio
Se comer tem história, beber também tem raízes profundas. Em Da botica ao boteco, Néli Pereira revela um Brasil pouco conhecido: o das garrafadas, ervas medicinais e experimentações alquímicas que se tornaram parte da coquetelaria atual. A autora explora a transição dos ingredientes que curavam doenças para aqueles usados na composição de bebidas marcantes como jurubeba, catuaba e licores de raízes.
O livro demonstra como saberes ancestrais foram transformados pela indústria, pela colonização e pelo comércio moderno, sem perderem o caráter cultural e botânico. Com receitas para drinques que respeitam espécies nativas e técnicas de ativação de princípios ativos, Pereira revaloriza a coquetelaria como patrimônio cultural brasileiro, mostrando que um copo também conta história, geografia e medicina popular.

Conclusão: culinária como memória, ciência e identidade
A busca crescente por livros de culinária mostra que as pessoas querem mais do que receitas: desejam entender a história, a técnica e a cultura por trás dos pratos. Obras de autores como Samin Nosrat, Hénaut, Grandi, Le Cordon Bleu e Néli Pereira transformam a cozinha em conhecimento, identidade e memória. Assim, cozinhar deixa de ser apenas prática e se torna forma de reconectar raízes, aprender ciência e reconhecer o mundo através do sabor.
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