Em tempos de mudanças aceleradas, é comum pensar que os livros antigos perderam o valor. Mas a verdade é que alguns clássicos da literatura brasileira continuam tão vivos quanto o noticiário do dia. Eles seguem pulsando porque tratam de temas atemporais: desigualdade, identidade, afetos, política, memória.
1. Dom Casmurro – Machado de Assis (1899)
Muito além do debate sobre Capitu ter ou não traído, o romance de Machado de Assis examina o ciúme, o patriarcado, a hipocrisia da elite carioca e a manipulação da memória. A narrativa subjetiva de Bentinho é um retrato sofisticado de como construímos — e distorcemos — nossas versões da verdade. Um livro sobre poder simbólico e autoengano, que continua provocando discussões mais de 120 anos depois.
2. Vidas Secas – Graciliano Ramos (1938)
Com uma linguagem seca e direta, Graciliano Ramos descreve a saga de uma família de retirantes que enfrenta a fome e a seca no sertão nordestino. Fabiano, Sinhá Vitória, os filhos sem nome e até a cadela Baleia tornam-se símbolos da resistência silenciosa dos esquecidos. É uma obra que continua atual diante das desigualdades regionais e dos ciclos de pobreza que persistem no Brasil.
3. Quarto de Despejo – Carolina Maria de Jesus (1960)
O diário brutal e sensível de Carolina Maria de Jesus, uma catadora de papel da favela do Canindé, em São Paulo, rompeu o silêncio sobre a vida nas periferias urbanas. A autora relata com clareza desconcertante o cotidiano da fome, da exclusão e da maternidade negra. Sua escrita documental é hoje leitura obrigatória para quem deseja compreender a desigualdade estrutural do país.
4. Triste Fim de Policarpo Quaresma – Lima Barreto (1915)
A sátira ácida de Lima Barreto sobre o nacionalismo ingênuo é um retrato mordaz de um Brasil que repete erros em nome de “grandes ideias”. Policarpo, um homem idealista, acredita no poder regenerador da pátria, mas é tragado por uma sociedade burocrática, racista e violenta. Um livro que desmonta o patriotismo cego e revela as fraturas de um país em crise permanente.
5. A Hora da Estrela – Clarice Lispector (1977)
Publicado pouco antes da morte de Clarice Lispector, este romance curto, intenso e filosófico mergulha na vida de Macabéa, uma nordestina apagada e ignorada pela cidade grande. Clarice transforma invisibilidade social em literatura de altíssima potência. É uma crítica delicada e devastadora ao apagamento das mulheres pobres e periféricas no Brasil urbano.
6. O Cortiço – Aluísio Azevedo (1890)
Este romance naturalista escancara a vida num cortiço carioca do século XIX, revelando as tensões raciais, sociais e morais que explodem dentro de um espaço coletivo. Aluísio Azevedo constrói uma galeria de personagens marginalizados e mostra como o ambiente molda o comportamento humano. Um retrato cru da urbanização desigual e das hierarquias sociais que ainda ecoam.
7. Capitães da Areia – Jorge Amado (1937)
Inspirado em crianças e adolescentes abandonados nas ruas de Salvador, Jorge Amado narra a vida de um grupo de meninos que vive entre pequenos delitos, afetos e sobrevivência. Ao humanizar esses jovens, o autor denuncia a negligência do Estado e as violências estruturais que os empurram para a marginalidade. Leitura essencial num país onde o abandono da juventude segue como tema urgente.
Conclusão
Ler os clássicos brasileiros é um ato de resistência e lucidez. Eles nos lembram de onde viemos, o que ainda nos falta e, principalmente, o que não devemos esquecer. Em meio ao excesso de informação e à superficialidade do mundo digital, essas obras oferecem profundidade, silêncio e reflexão.
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