A literatura brasileira escrita por mulheres é um território vasto, potente e, muitas vezes, subestimado. No entanto, é nela que encontramos algumas das narrativas mais sensíveis, revolucionárias e provocativas do nosso tempo. Livros brasileiros escrito por mulheres deixaram e continuam deixando sua marca no cenário literário brasileiro, com sua força poética e sua visão do mundo e do ser humano.
Ponciá Vicêncio de Conceição Evaristo
Conceição Evaristo é uma das vozes mais contundentes da literatura afro-brasileira. Em Ponciá Vicêncio, a autora traça a jornada emocional de uma mulher negra em busca de pertencimento e reconciliação com sua história. A narrativa é atravessada por memórias, cicatrizes e símbolos herdados do avô, com quem Ponciá compartilha não apenas o sangue, mas também a herança de luta e dor. Evaristo mistura o real ao imaginário, costura passado e presente com uma escrita visceral, profundamente enraizada na oralidade e na memória coletiva.
A cabeça do pai de Denise Sant’Anna
A cabeça do pai, de Denise Sant’Anna, é um romance que costura perdas, afetos e a fragilidade da condição humana com uma delicadeza devastadora. A autora conduz o leitor por uma narrativa estruturada em torno do corpo — de seus órgãos, dores e silêncios. A trama parte de um AVC sofrido pelo pai da narradora, e a partir desse acontecimento, descortina-se uma complexa rede de memórias e vínculos familiares. Sant’Anna trata da morte, do envelhecimento, mas também do sexo, da amizade e da resistência em continuar existindo mesmo diante do colapso. É uma obra potente, que transforma a vulnerabilidade em matéria de poesia e lucidez.
Ela se chama Rodolfo de Júlia Dantas
No segundo romance de Júlia Dantas, Ela se chama Rodolfo, acompanhamos Murilo, um protagonista comum em uma missão quase absurda: entregar uma tartaruga deixada por uma antiga moradora. Mas o que poderia ser uma fábula trivial se transforma num delicado ensaio sobre a condição humana, as relações de gênero e os encontros que mudam tudo. A autora brinca com o ritmo e a leveza para abordar temas densos como luto, doença e a instabilidade emocional. Dantas nos lembra que a vida, mesmo em suas andanças mais aleatórias, é um terreno fértil para a empatia e o afeto.
Mobiliário para uma fuga em março de Marana Borges
Em Mobiliário para uma fuga em março, Marana Borges transforma objetos do cotidiano em monumentos da memória. A casa é mais do que cenário: é personagem, testemunha e cúmplice. A narrativa explora o trauma, o silêncio e a complexidade das relações familiares — com destaque para a figura materna opressora e o amor ambíguo pelo irmão. O romance-poema atravessa camadas de tempo, sensação e sentimento. Borges oferece uma experiência estética que beira o experimental, mas sem jamais abandonar o leitor. Sua escrita é uma dança entre o amor e o desamparo.
As meninas de Lygia Fagundes Telles
Um clássico da literatura brasileira, As meninas, de Lygia Fagundes Telles, retrata os dilemas de três jovens em plena ditadura militar. Lorena, Lia e Ana Clara vivem em um pensionato paulistano, cada uma encarando os dramas da juventude sob perspectivas distintas — entre militância política, dependência química e conflitos existenciais. Lygia constrói um retrato multifacetado da mulher jovem dos anos 1970, entre o conservadorismo imposto e o desejo de ruptura. A escrita fluida e polifônica da autora transforma esse romance em um mosaico de vozes femininas que clamam por liberdade, amor e sentido.
A obscena senhora D de Hilda Hilst
Lançado em 1982, A obscena senhora D é um mergulho na psique de uma mulher em luto. Após a morte do marido, Hillé decide se isolar no vão da escada de sua casa — e dali questiona a vida, a morte e a sanidade. Em fluxo contínuo de consciência, Hilda Hilst escreve com uma ousadia formal e uma intensidade que desafiam o leitor. A obra é perturbadora, poética e profundamente existencial. Hillé é a anti-heroína por excelência: obscena por ousar pensar, sentir e desejar fora dos padrões. Um livro que escancara as dores da perda e o poder destrutivo da introspecção.
Água viva de Clarice Lispector
Em Água viva, Clarice Lispector abandona a narrativa tradicional para construir um livro que é, acima de tudo, um exercício de linguagem e sensibilidade. Escrito como uma carta, um monólogo ou um fluxo místico, o texto atravessa o tempo como quem tenta capturar o agora. A autora desmonta as estruturas do romance convencional e oferece uma prosa poética que pulsa. É um livro sobre o indizível, sobre o intervalo entre as palavras e os sentimentos, sobre a solidão que não quer ser curada. Clarice entrega ao leitor um convite à contemplação e ao delírio criativo.
Conclusão
As vozes femininas na literatura brasileira não são apenas necessárias: são indispensáveis. Elas narram o que muitas vezes foi silenciado, subestimado ou excluído do cânone. Os oito livros apresentados aqui não apenas evidenciam o talento de suas autoras, mas também reafirmam a pluralidade de experiências que compõem o universo feminino. Ao lê-las, somos convidados a repensar o mundo, rever nossos afetos, encarar nossos próprios silêncios. Que essas leituras possam abrir janelas e desatar nós — dentro e fora de nós.
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