Em uma sociedade que se diz democrática, a censura de livros ainda é uma realidade mais presente do que se imagina. Seja por sua linguagem considerada imprópria, por abordagens políticas ousadas ou por temas considerados “perturbadores”, algumas obras foram removidas de bibliotecas, escolas e instituições — exatamente por tratarem do que muitos preferem silenciar. Curiosamente (ou ironicamente), são justamente esses livros que merecem ser lidos.
O Senhor das Moscas, de William Golding
Poucos romances são tão perturbadores — e tão necessários — quanto O Senhor das Moscas. Banido de diversas escolas ao longo das décadas, o livro traz uma narrativa aparentemente simples: um grupo de garotos fica preso em uma ilha deserta. O que se desenrola, no entanto, é um retrato brutal da condição humana quando retirada de toda estrutura civilizatória.
As cenas de violência, a linguagem crua e a desconstrução da inocência infantil assustaram pais e educadores, levando à sua retirada do currículo escolar em muitos países. Ainda assim, a obra continua sendo uma das mais poderosas reflexões sobre moral, poder, medo e barbárie.
Maus, de Art Spiegelman
Em 2022, uma decisão de um conselho educacional nos Estados Unidos retirou Maus das salas de aula por conter palavrões e representações de nudez — mesmo que estilizadas em forma de animais antropomórficos. A obra, porém, é uma das mais premiadas e reconhecidas ao tratar do Holocausto, tendo inclusive vencido o Prêmio Pulitzer em 1992.
Spiegelman usa o formato de graphic novel para narrar, por meio da história de seu pai, as experiências vividas nos campos de concentração. Com ratos representando judeus e gatos como nazistas, Maus transcende o didatismo histórico para explorar traumas intergeracionais, identidade e a memória coletiva. Sua censura causou indignação internacional — e reacendeu a importância da liberdade de ensino.
Jogos Vorazes, de Suzanne Collins
A série Jogos Vorazes foi alvo de controvérsias nos Estados Unidos, especialmente em escolas que alegavam que a obra incentivava a rebeldia, o comportamento violento e possuía “valores inadequados” para adolescentes. Na verdade, o que incomoda é justamente sua crítica ao autoritarismo, à espetacularização da violência e à alienação social provocada por regimes opressores e pela mídia.
Ao colocar adolescentes como protagonistas de um jogo de vida ou morte televisionado, Suzanne Collins escancara a frieza das estruturas de poder e o quanto a vida humana se torna descartável em nome do controle e do entretenimento. Banir um livro que ensina a questionar a obediência cega talvez diga mais sobre quem o censura do que sobre o conteúdo em si.
Doutor Jivago, de Boris Pasternak
Mais do que um romance, Doutor Jivago foi um símbolo político. Escrito por Boris Pasternak em plena União Soviética, a obra critica os efeitos da Revolução Russa e do regime comunista na vida individual e afetiva. Por isso, foi imediatamente censurada no país, e sua publicação só foi possível graças a uma edição clandestina na Itália em 1957.
A repercussão foi tamanha que Pasternak recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1958 — que foi forçado a recusar por pressão do governo soviético. A censura a Doutor Jivago transformou o livro em um instrumento de disputa durante a Guerra Fria, usado pelo Ocidente como símbolo da repressão intelectual no bloco comunista.
Conclusão
Livros banidos, antes de serem descartados, merecem ser revisitados. Cada censura revela mais sobre os medos da sociedade do que sobre os perigos da obra. E é justamente nesse ponto de incômodo que mora a potência da literatura: a de romper silêncios e abrir caminhos. Ler é sempre um ato político — e em tempos de controle e polarização, pode ser também um ato de coragem.
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