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Lipedema: a doença que muita gente chama de “gordura localizada”, mas a ciência diz que é bem mais grave

Desconhecido por grande parte dos médicos, o lipedema causa dor, deformidade e frustração em milhões de mulheres — e não se resolve só com dieta ou academia.

Quando a “gordura” não obedece à dieta

A história de um corpo que não responde

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Para muita gente, a jornada de emagrecimento é difícil.
Para quem tem lipedema, ela costuma ser cruel.
É comum ouvir relatos de mulheres que controlam alimentação, fazem exercícios, perdem medidas no rosto e no abdômen, mas veem pernas e braços praticamente iguais.
O espelho insiste em mostrar um corpo desproporcional, dolorido, com hematomas frequentes e um cansaço que não combina com a idade.

Esse cenário, interpretado por anos como “preguiça”, “falta de foco” ou “má alimentação”, hoje começa a receber outro nome: lipedema.
Trata-se de uma doença crônica do tecido adiposo, com forte componente hormonal e genético, que afeta quase exclusivamente mulheres.
Ela provoca acúmulo desproporcional de gordura, principalmente nas pernas, quadris e, em muitos casos, nos braços, quase sempre poupando pés e mãos.
Não é um detalhe estético: é uma condição que pode limitar a mobilidade, impactar a autoestima e comprometer a saúde mental.

O que é, afinal, o lipedema?

O lipedema é um distúrbio do tecido adiposo caracterizado por aumento simétrico de gordura em regiões específicas, associado a dor, sensibilidade e tendência a inchaço.
Ao contrário da obesidade, em que a gordura se distribui de forma mais homogênea, no lipedema a desproporção é evidente: tronco menor e membros aumentados.
A doença costuma surgir ou piorar em fases de mudança hormonal, como puberdade, gestação e menopausa, o que reforça a influência dos hormônios femininos.
Outra marca importante é o histórico familiar: muitas pacientes descobrem, depois do diagnóstico, que mãe, avó ou tias apresentavam o mesmo padrão corporal.

Na prática, o que está alterado são as células de gordura (adipócitos).
Elas se multiplicam e aumentam de tamanho de maneira descontrolada, gerando nódulos, irregularidades e inflamação crônica do tecido.
Isso explica a sensação de dor ao toque, o peso nas pernas e os roxos que surgem com facilidade, mesmo em pequenos traumas.
Não se trata de falta de cuidado, e sim de um comportamento diferente desse tecido no organismo.

Por que tanta gente ainda não tem diagnóstico?

Apesar de descrito na literatura médica há décadas, o lipedema ainda é pouco conhecido.
Em muitas consultas, a queixa de “pernas grossas e doloridas” é rapidamente associada a sedentarismo, má circulação ou sobrepeso.
Consequência: exames são superficiais, o problema é minimizado e a paciente volta para casa com a velha orientação genérica de “comer menos e se exercitar mais”.
Enquanto isso, a doença evolui silenciosamente, avançando de estágio e aumentando o sofrimento físico e emocional.

Outro problema é a falta de padronização no diagnóstico clínico.
Não existe ainda um exame de sangue ou marcador específico que confirme o lipedema.
A avaliação depende da experiência do profissional, da observação da distribuição de gordura, da palpação e da análise dos sintomas relatados.
Isso torna fundamental a capacitação de médicos, fisioterapeutas, angiologistas e profissionais de saúde da mulher para reconhecer o quadro com mais precisão.

Sintomas, estágios e impactos no dia a dia

Sinais que vão muito além da estética

O primeiro sinal que costuma chamar atenção é a desproporção.
As pernas parecem “maiores do que o resto do corpo”, com acúmulo em culotes, coxas e joelhos.
Em muitos casos, os braços também aumentam de volume, enquanto mãos e pés permanecem finos, o que é uma pista importante para diferenciar o lipedema de outros problemas.
Mas o que realmente torna a doença incapacitante é a dor.

As pacientes relatam sensação de peso, queimação, sensibilidade ao toque e cansaço intenso ao permanecer em pé por longos períodos.
Roupas apertadas incomodam, o simples ato de cruzar as pernas pode ser doloroso e subir escadas vira um desafio diário.
Além disso, surgem hematomas com facilidade, resultado da fragilidade capilar do tecido afetado.
É como se o corpo reagisse de forma exagerada a pequenos impactos, deixando marcas roxas que demoram a desaparecer.

Entendendo os estágios do lipedema

Para organizar o acompanhamento clínico, especialistas classificam o lipedema em estágios.
Eles não medem apenas o tamanho das pernas, mas as mudanças estruturais no tecido e o impacto funcional.

Estágio 1: alterações discretas

No início, a pele ainda é relativamente lisa e o aumento de volume é moderado.
A paciente percebe que “engorda” nas pernas com mais facilidade, mas muitas vezes encara isso como característica familiar.
A dor pode ser leve e aparecer apenas após um dia longo de atividades.

Estágio 2: nódulos e irregularidades

Com o avanço da doença, a superfície da pele se torna mais irregular, lembrando um acolchoado.
Nódulos de gordura podem ser palpados, a sensibilidade aumenta e a dor torna-se mais frequente.
O uso de calças justas fica difícil e o desconforto ao longo do dia passa a ser constante.

Estágio 3 e associação com linfedema

Nos estágios mais avançados, o volume é acentuado, com dobras de pele e acúmulo intenso em coxas e joelhos.
A mobilidade é comprometida, caminhar e se sentar exigem esforço maior, e o impacto emocional é profundo.
Em alguns casos, o lipedema se associa ao linfedema, quando há acúmulo de líquido por falha no sistema linfático, fazendo pés e tornozelos incharem.
Nessa fase, o cuidado precisa ser ainda mais especializado para evitar complicações.

Consequências emocionais e sociais da doença

Viver com lipedema significa lidar com um corpo que não acompanha o esforço feito.
Dietas, academias, tratamentos estéticos: nada parece dar o resultado esperado justamente onde mais incomoda.
Isso gera frustração, sentimento de culpa e sensação de não pertencimento, especialmente em uma sociedade que cobra magreza e “corpo padrão” o tempo todo.

Muitas mulheres relatam evitar praias, piscinas, fotografias de corpo inteiro e até momentos de lazer com família e amigos.
A dificuldade para encontrar roupas que sirvam bem em pernas e quadris, mas não fiquem largas no tronco, torna tarefas simples um desafio diário.
Não é raro que o lipedema esteja associado a quadros de ansiedade e depressão, reforçando a necessidade de abordagem que inclua saúde mental.

O que a ciência recomenda hoje para tratar o lipedema

Alimentação, movimento e controle da inflamação

Ainda não existe cura definitiva para o lipedema, mas há várias estratégias para controlar sintomas e frear a progressão.
Um dos pilares é o cuidado com a alimentação, priorizando alimentos anti-inflamatórios, ricos em fibras, proteínas magras e gorduras boas.
Reduzir o consumo de ultraprocessados, excesso de açúcar e sal contribui para diminuir retenção de líquidos e inflamação do tecido.
Não se trata de “dieta milagrosa”, mas de um plano alimentar pensado para apoiar o organismo e melhorar o bem-estar.

A atividade física também é peça-chave.
Exercícios de baixo impacto, como caminhada, hidroginástica, pilates e musculação moderada, ajudam a estimular a circulação e o sistema linfático.
Movimento é importante não só para controle de peso, mas principalmente para preservar mobilidade, força e autonomia no dia a dia.
O ideal é que o treino seja acompanhado por profissional que conheça a condição, evitando sobrecargas e impactos excessivos nas articulações.

Terapias conservadoras: drenagem e compressão

Além dos cuidados gerais, há terapias específicas que fazem diferença na rotina de quem convive com lipedema.
A drenagem linfática manual, quando realizada por profissional capacitado, ajuda a reduzir a sensação de peso e o inchaço, favorecendo a eliminação de líquidos.
O uso de meias ou calças de compressão médica é outra ferramenta importante, principalmente para quem permanece muitas horas em pé ou sentada.
Essas peças oferecem suporte ao tecido, diminuem o desconforto e ajudam a controlar a evolução do quadro.

Em alguns casos, são indicadas terapias complementares, como bandagens compressivas, fisioterapia especializada e acompanhamento com angiologista ou cirurgião vascular.
O objetivo é sempre o mesmo: aliviar os sintomas, preservar a função e melhorar a qualidade de vida.

Cirurgia: quando a lipoaspiração passa a ser tratamento

Nos estágios mais avançados, ou quando a dor e a limitação são intensas, entra em cena a possibilidade de cirurgia.
A lipoaspiração específica para lipedema — realizada com técnicas que preservam ao máximo vasos linfáticos e estruturas de suporte — vem sendo utilizada como estratégia terapêutica.
Trata-se de um procedimento de caráter funcional, não apenas estético: ao remover a gordura doente, reduz-se a pressão nos tecidos, a dor e a dificuldade de locomoção.

Estudos internacionais mostram melhora significativa na qualidade de vida de pacientes operadas, principalmente em dor, mobilidade e autoestima.
Ainda assim, é uma decisão que exige avaliação cuidadosa, escolha de equipe experiente e compreensão de que a cirurgia não substitui os demais cuidados.
Ela faz parte de um plano de tratamento contínuo, que inclui alimentação equilibrada, movimento regular e acompanhamento médico.

A importância de ser ouvida e bem orientada

Mais do que qualquer protocolo, o que pacientes com lipedema pedem é escuta qualificada.
Ser levada a sério, ter o sofrimento reconhecido e receber explicações claras sobre a doença já representa metade do caminho.
O diagnóstico correto abre portas para terapias adequadas e para uma relação mais saudável com o próprio corpo.

Perguntas Frequentes sobre Lipedema (FAQ)

1. Lipedema é a mesma coisa que obesidade?
Não. Embora possam coexistir, o lipedema é uma doença específica do tecido adiposo, com acúmulo desproporcional de gordura em pernas e braços, dor e sensibilidade.
Na obesidade, o aumento de gordura tende a ser mais uniforme pelo corpo e não é necessariamente doloroso.

2. Só mulheres têm lipedema?
A doença é muito mais comum em mulheres e está fortemente ligada a fases de alteração hormonal.
Casos em homens são raros e, quando aparecem, costumam estar associados a alterações hormonais importantes ou outras condições de saúde.

3. Dieta e exercício curam o lipedema?
Eles não curam a doença, mas são essenciais para controle dos sintomas.
Alimentação equilibrada e atividade física ajudam a reduzir inflamação, melhorar circulação, controlar peso e preservar mobilidade.

4. Como saber se tenho lipedema e não apenas pernas grossas?
Alguns sinais chamam atenção: desproporção entre tronco e membros, dor ao toque, sensação de peso, hematomas frequentes e dificuldade de perder gordura nessas áreas.
O diagnóstico deve ser feito por médico, que avaliará histórico, exame físico e, se necessário, pedirá exames complementares para afastar outras doenças.

5. Lipedema sempre piora com o tempo?
A evolução varia de pessoa para pessoa.
Sem diagnóstico e cuidados, tende a progredir e causar mais dor e limitação.
Com acompanhamento adequado, é possível estabilizar o quadro e manter boa qualidade de vida.

6. A cirurgia é obrigatória em todos os casos?
Não. A lipoaspiração específica para lipedema é indicada principalmente em casos avançados ou quando o tratamento conservador não oferece alívio suficiente.
A decisão deve ser individualizada, levando em conta estágio da doença, condições de saúde e expectativas da paciente.

7. O lipedema volta após a cirurgia?
A gordura removida naquela área não volta a crescer como antes, mas a doença é crônica.
Isso significa que outras regiões podem sofrer alterações ao longo do tempo se não houver manutenção dos cuidados gerais.

8. Existe exame de sangue para detectar lipedema?
Até o momento, não há um exame laboratorial específico para o lipedema.
O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado em sinais, sintomas e histórico da paciente.
Exames de imagem podem ser usados para avaliar tecidos e descartar outras condições.

9. Lipedema é reconhecido como doença?
Sim, em diversos países ele já é reconhecido oficialmente como doença crônica do tecido adiposo.
Esse reconhecimento é importante para ampliar acesso a diagnóstico, tratamento e cobertura por planos de saúde, dependendo da legislação local.

10. Onde buscar informação confiável sobre lipedema?
É recomendável consultar médicos especialistas em angiologia, cirurgia vascular, cirurgia plástica ou fisioterapia dermatofuncional com experiência na área.
Além disso, veículos jornalísticos sérios, como o Jornal da Fronteira, trazem conteúdos explicativos e atualizados sobre o tema, ajudando a combater desinformação e estigmas.

Conclusão

O lipedema é uma condição que desafia olhares apressados e julgamentos superficiais.
Por trás de um corpo considerado “fora do padrão” existe uma doença crônica, complexa e ainda pouco conhecida, que exige informação, empatia e acompanhamento especializado.
Quando compreendido como problema de saúde — e não como falta de esforço pessoal — o lipedema deixa de ser motivo de culpa e passa a ser enfrentado com estratégia.
A combinação entre ciência, cuidado diário e apoio emocional pode transformar a qualidade de vida de quem convive com essa condição.

Se você se identificou com os sintomas descritos, procure orientação profissional qualificada e busque informações em fontes confiáveis.
No Jornal da Fronteira, você encontra conteúdos aprofundados sobre saúde, bem-estar e temas que ajudam a entender melhor o próprio corpo e a tomar decisões mais conscientes sobre a sua qualidade de vida.

Lipedema: a doença que muita gente chama de “gordura localizada”, mas a ciência diz que é bem mais grave

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