A inflação na Argentina, historicamente marcada por instabilidade e índices galopantes, apresentou em maio de 2025 um dado surpreendente até mesmo para os mais otimistas analistas econômicos. Com uma variação de apenas 1,5% no Índice de Preços ao Consumidor (IPC), o país atingiu o menor patamar inflacionário mensal desde maio de 2020 — e, se desconsiderado o contexto atípico da pandemia, desde novembro de 2017.
O governo de Javier Milei, que assumiu prometendo sanear as contas públicas e derrotar a hiperinflação, agora se vê respaldado por uma estatística que pode mudar o curso de sua trajetória política. A informação, divulgada pelo Indec nesta quinta-feira (12), também reflete um alívio psicológico para a população e oferece um fio de esperança em meio à severa crise econômica que ainda assola o país.
Um dado que surpreendeu até os mercados
A marca de 1,5% em maio não apenas superou as previsões do Banco Central argentino, que projetava 2,1%, como também ficou abaixo da maioria das estimativas de consultorias locais e internacionais. A C&T Consultores, a EcoGo, a FMyA e até instituições de renome global como o JP Morgan e o BNP Paribas haviam previsto algo entre 1,73% e 1,9%. O resultado representa uma inflexão importante no processo inflacionário argentino e demonstra que, ao menos no curto prazo, o plano liberal do presidente Milei começa a surtir efeito.
Capital federal já havia dado sinais do freio
Na segunda-feira anterior à divulgação nacional, a cidade de Buenos Aires — tradicional termômetro econômico — já havia apontado para a tendência de desaceleração. A inflação da capital ficou em 1,6%, também a menor em cinco anos. Esse dado municipal ajudou a consolidar a percepção de que os preços estavam efetivamente cedendo.
Comunicações e alimentação ainda pressionam
Apesar do alívio geral, alguns segmentos continuam apresentando aumentos relevantes. O setor de comunicações, por exemplo, teve alta de 4,1% em maio, impulsionado pelos reajustes nos serviços de telefonia móvel e internet. Já o ramo de restaurantes e hotéis avançou 3,0%, puxado pelo aumento nos preços da alimentação fora do lar — uma despesa que impacta diretamente a classe média urbana.
Consumo ainda em compasso de espera
No varejo, os sinais de melhora ainda são tímidos. Segundo levantamento da consultoria Scentia, as vendas em supermercados e lojas de autosserviço ficaram praticamente estáveis em abril, com variação de apenas 0,1% na comparação anual. Esse dado representa um alento, já que interrompe uma sequência de 15 meses consecutivos de queda, mas ainda está longe de sinalizar uma retomada robusta da atividade de consumo.
Fim parcial do cepo e dólar em bandas ajudam a conter expectativas
A política cambial também teve papel relevante na dinâmica inflacionária recente. Em abril, o governo implementou o fim parcial do chamado “cepo cambial” para pessoas físicas — mecanismo que restringia a compra de dólares — e passou a adotar um sistema de flutuação em bandas. Essas medidas diminuíram as tensões no mercado de câmbio, contiveram expectativas inflacionárias e reduziram o impacto da variação do dólar nos preços internos.
Um marco na gestão de Milei
Desde o início de sua gestão, Javier Milei tem enfatizado que a batalha contra a inflação seria árdua, mas possível. Em janeiro de 2025, o país havia registrado o índice mensal de 2,2%, então considerado o mais baixo sob sua liderança. Agora, com a inflação de maio a 1,5%, o presidente volta a declarar que a alta de preços será “coisa do passado” já em 2026 — previsão ousada, mas que encontra algum lastro nos dados atuais.
Inflação acumulada ainda alta, mas em desaceleração
Nos 12 meses encerrados em maio, o IPC acumulou uma variação de 43,5%. Embora o número ainda seja alto em termos absolutos, representa uma forte desaceleração frente ao histórico recente do país, que nos últimos anos conviveu com taxas anuais superiores a 100%. Essa trajetória descendente reforça o discurso do governo de que a estabilização é um processo gradual, mas viável com as reformas corretas.
Analistas mantêm cautela diante de pressões sazonais
Consultorias como a Adcap alertam que o cenário de curto prazo ainda pode apresentar riscos. A chegada do inverno, com consequente aumento na demanda por energia elétrica e gás, pode pressionar os preços nos próximos meses. Além disso, há preocupação com os efeitos colaterais do ajuste fiscal promovido pelo governo, que pode inibir o crescimento econômico e afetar o emprego no médio prazo.
O que esse dado representa no contexto argentino
Para a Argentina, um país onde a inflação tem sido quase uma instituição crônica por décadas, um dado de 1,5% representa mais do que um número: é um possível ponto de virada. Em um ambiente onde a memória inflacionária ainda está muito viva, a estabilização dos preços é tanto uma conquista técnica quanto simbólica. Ainda que a economia esteja longe de estar em uma situação confortável, a retomada da previsibilidade é um passo crucial para recuperar a confiança dos consumidores, dos investidores e dos parceiros internacionais.
A queda da inflação para 1,5% em maio de 2025 pode vir a ser um divisor de águas na economia argentina. Embora ainda haja muitos desafios pela frente — como estimular o consumo interno, reduzir a pobreza e sustentar a credibilidade internacional —, o desempenho do IPC indica que os ajustes promovidos pelo governo Milei estão começando a gerar frutos concretos.
A contenção da inflação devolve um mínimo de estabilidade ao cotidiano dos argentinos, algo que há anos parecia fora de alcance. Agora, resta saber se a política econômica conseguirá manter esse fôlego sem gerar efeitos colaterais severos no emprego, no crescimento e na coesão social. Os olhos do mundo seguem voltados para a Argentina, um país que insiste em se reinventar, mesmo diante de seus próprios fantasmas econômicos.