Imagine caminhar pelas ruínas de uma das cidades mais poderosas da antiguidade, onde reis moldaram impérios e deuses observavam cada decisão humana. Este é o cenário de Nínive, uma joia arqueológica da Mesopotâmia, que, mesmo após milênios, ainda guarda segredos capazes de surpreender o mundo moderno.
Localizada próxima à cidade iraquiana de Mosul, Nínive foi a capital do império assírio no auge de sua glória, especialmente sob o reinado do poderoso rei Senaqueribe, no final do século VIII a.C. Mais tarde, floresceu ainda mais sob o governo do rei Assurbanipal, considerado o último grande soberano da Assíria.
Desde 2022, uma equipe de arqueólogos liderada por Aaron Schmitt, no âmbito do projeto Heidelberg Nínive, tem realizado escavações no monte Kuyunjik, especificamente no setor central do Palácio Norte, um dos edifícios mais emblemáticos do local. E o que parecia ser mais uma missão acadêmica se transformou numa das descobertas mais fascinantes dos últimos tempos.
O legado de Nínive: berço da civilização mesopotâmica
A importância histórica da antiga cidade de Nínive
Nínive não era apenas uma cidade. Era o centro político, cultural e religioso do império assírio. Seu apogeu representou o auge da organização administrativa, da engenharia, da arquitetura e das artes da Mesopotâmia.
Nínive sob o reinado de Senaqueribe e Assurbanipal
- Senaqueribe, no século VIII a.C., transformou Nínive em uma cidade monumental, com canais, jardins suspensos e palácios imponentes.
- Assurbanipal, seu sucessor no século VII a.C., levou o império ao seu ápice, sendo também conhecido por fundar a primeira grande biblioteca do mundo antigo, com milhares de tabuletas cuneiformes.
O papel do Palácio Norte
O Palácio Norte não era apenas residência real. Funcionava como centro de decisões militares, diplomáticas e religiosas. Seus salões eram adornados por relevos e esculturas que não apenas decoravam, mas também narravam feitos épicos, guerras e cerimônias religiosas.
Os primeiros exploradores e a redescoberta de Nínive
No século XIX, arqueólogos britânicos, liderados por nomes como Austen Henry Layard, foram os pioneiros nas explorações das ruínas de Nínive. Descobriram diversos relevos, muitos dos quais hoje estão expostos no Museu Britânico de Londres, encantando o mundo com cenas de batalhas, rituais e feitos dos reis assírios.
Entretanto, mesmo após mais de um século de estudos, a cidade ainda guarda segredos. E foi exatamente isso que a equipe do projeto Heidelberg Nínive, sob a liderança do Prof. Dr. Stefan Maul, se propôs a desvendar desde 2018.
A descoberta arqueológica que está encantando o mundo
O relevo perdido de Assurbanipal: uma peça-chave da história
Durante as escavações no setor central do Palácio Norte, os arqueólogos localizaram um conjunto de fragmentos de um relevo monumental, surpreendentemente bem preservado, que havia passado despercebido pelos britânicos no século XIX.
O que o relevo representa?
No centro da composição, está representado Assurbanipal, o último grande rei da Assíria, ladeado por duas divindades supremas:
- Ashur, o principal deus do panteão assírio, símbolo da soberania e da guerra.
- Ishtar, deusa do amor, da fertilidade e da guerra, padroeira da cidade de Nínive.
Ambos são acompanhados por um enigmático gênio-peixe, entidade protetora que confere salvação e longevidade, e por uma figura interpretada como um possível homem-escorpião, com os braços erguidos em sinal de reverência.
A simbologia do disco solar alado
Aaron Schmitt sugere que o conjunto iconográfico indica que, acima das figuras, existia originalmente um disco solar alado, símbolo máximo de proteção divina, poder e legitimidade real na iconografia assíria.
Por que essa descoberta é tão relevante?
Porque esse relevo estava estrategicamente posicionado em frente à entrada da sala do trono, o ponto mais simbólico e sagrado do palácio. Isso indica sua enorme importância no contexto político, religioso e cerimonial da Assíria.
O mistério da cova cheia de terra
Os fragmentos foram encontrados numa cova, atrás do nicho onde o relevo originalmente estava. A hipótese dos arqueólogos é que essa escavação ocorreu no período helenístico (séculos III ou II a.C.), época em que parte da cidade foi reutilizada e muitos monumentos foram deliberadamente enterrados.
A parceria internacional e os planos para o futuro
O trabalho conjunto com o Conselho Estatal Iraquiano de Antiguidades e Patrimônio (SBAH) visa não apenas documentar, mas também restaurar e devolver o relevo ao seu local original, transformando-o em uma peça central para futuros visitantes e pesquisadores.
Nos próximos meses, toda a documentação, incluindo análises 3D e reconstruções digitais, será publicada em periódicos científicos internacionais, oferecendo uma nova leitura sobre a religiosidade, o poder e a iconografia assíria.
Nínive hoje: entre a arqueologia, a preservação e o futuro
O projeto Heidelberg Nínive: preservando o passado para as futuras gerações
Desde sua criação, em 2018, o projeto Heidelberg Nínive tem como missão principal:
- Proteger o patrimônio arqueológico ameaçado pela ação do tempo e por conflitos modernos.
- Investir na formação de novos arqueólogos iraquianos.
- Promover a valorização da herança cultural assíria.
Desafios da preservação
Nínive sofreu danos severos nas últimas décadas, especialmente com conflitos armados e ações de vandalismo. Hoje, esforços conjuntos entre universidades, governos e instituições internacionais buscam recuperar o que foi perdido e proteger o que ainda resiste.
A relevância global da descoberta de Nínive
Essa descoberta não é apenas relevante para a arqueologia, mas para toda a humanidade. Ela resgata um pedaço fundamental da história que ajuda a entender como os grandes impérios do passado estruturaram sua política, religião e cultura.
O impacto nas gerações atuais
- Estímulo ao turismo arqueológico no Iraque.
- Valorização da história mesopotâmica no cenário mundial.
- Novas possibilidades de pesquisas sobre iconografia e simbologia assíria.
Nínive, com seus palácios, relevos e histórias ocultas, continua viva. A redescoberta do relevo do rei Assurbanipal, ladeado pelos deuses Ashur e Ishtar, é mais do que um achado arqueológico — é um reencontro com as raízes da civilização.
Em breve, com a restauração e exposição do relevo no próprio local onde foi originalmente posicionado, milhares de visitantes terão a oportunidade de testemunhar de perto a grandiosidade de um império que, mesmo após milênios, continua nos ensinando sobre poder, espiritualidade e legado.