Na manhã desta quinta-feira, 19 de junho, o palco da cultura brasileira perdeu um de seus maiores protagonistas. Francisco Cuoco, um dos nomes mais icônicos da televisão, faleceu aos 91 anos, em São Paulo, em decorrência de falência múltipla dos órgãos. Internado no Hospital Albert Einstein, na Zona Sul da capital, o ator encerra um ciclo de mais de seis décadas de dedicação intensa às artes cênicas — atravessando com brilho e talento os palcos do teatro, os sets do cinema e os estúdios da televisão.
Nascido em 29 de novembro de 1933, no bairro do Brás, Cuoco cresceu entre sonhos e picadeiros improvisados. A infância foi marcada pela curiosidade e o encantamento pelas artes, manifestado já nos primeiros anos, quando o menino encenava peças no quintal de casa, inspirado pelos circos que visitavam seu bairro. Era ali que começava, sem saber, uma das mais longevas e respeitadas trajetórias da dramaturgia nacional.
Da Faculdade de Direito aos palcos do Teatro Brasileiro de Comédia
Cuoco chegou a iniciar o curso de Direito, mas a vocação artística falou mais alto. Ainda jovem, decidiu trocar a toga pela sensibilidade do palco e ingressou na Escola de Arte Dramática de São Paulo. A decisão, à época ousada, o levou a ser incorporado ao lendário Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), uma das principais escolas formadoras de grandes atores brasileiros.
Em 1959, ingressou no Teatro dos Sete, sob a batuta de nomes como Gianni Ratto, Fernanda Montenegro, Sérgio Britto e Ítalo Rossi. Ao lado desses gigantes, Cuoco lapidou sua presença cênica e desenvolveu o olhar técnico que o acompanharia por toda a vida.
Do teatro à TV: nascimento de uma estrela nacional
A estreia na televisão se deu no programa “Grande Teatro Tupi”, em que encenava peças completas, ao vivo. Um desafio que ele encarava com entusiasmo, reconhecendo ali o valor do improviso e da entrega total. Em 1964, protagonizou sua primeira novela, “Marcados pelo Amor”, na TV Record. O reconhecimento popular viria com “Redenção” (1966), sucesso absoluto da TV Excelsior. Em “Legião dos Esquecidos” (1968), contracenou com Regina Duarte, iniciando uma parceria artística que se repetiria diversas vezes.
Em 1970, Cuoco estreava na Globo na novela “Assim na Terra Como no Céu”, escrita por Dias Gomes. Interpretando o padre Vitor, iniciava ali uma série de papéis marcantes que o consagrariam como protagonista de algumas das novelas mais icônicas da televisão brasileira.
Protagonista de sucessos imortais: o galã eterno da teledramaturgia
A década de 1970 foi especialmente brilhante para Francisco Cuoco. Em “Selva de Pedra” (1972), viveu Cristiano Vilhena, em uma trama escrita especialmente para ele por Janete Clair — que se tornaria uma de suas maiores colaboradoras. Em “O Semideus” (1973), “Cuca Legal” (1975) e, sobretudo, em “Pecado Capital” (1975), Cuoco cravou seu nome no imaginário do público brasileiro.
Como o taxista Carlão, dividindo a cena com Betty Faria e Lima Duarte, Cuoco deu vida a um dos personagens mais carismáticos e populares da história da teledramaturgia. Décadas depois, retornaria ao mesmo universo interpretando o empresário Salviano, no remake da trama.
Seguiram-se outros papéis inesquecíveis: “O Outro” (1983), “O Salvador da Pátria” (1989), “Passione” (2010), “Sol Nascente” (2016) e “Segundo Sol” (2018). Sua última aparição foi na série “No Corre”, exibida pelo Multishow em 2023 — encerrando a carreira com a mesma dedicação que a inaugurou.
Um mestre que formou gerações
Mais do que um astro da televisão, Cuoco era um mestre generoso. Jovens atores que contracenaram com ele relatam a atenção meticulosa com a técnica, a preocupação em manter a veracidade da cena e a importância de cultivar uma “inteligência cênica”. Para Cuoco, era essencial que o personagem tivesse alma — mesmo que isso significasse o ator desaparecer por trás da interpretação.
“Eu prefiro que o personagem sufoque o Francisco”, declarou certa vez ao Memória Globo, evidenciando sua entrega total ao ofício de atuar.
Do cinema ao retorno aos palcos
Na virada do milênio, Francisco Cuoco voltou-se ao cinema, somando uma série de atuações marcantes: “Traição” (1998), “Gêmeas” (1999), “A Partilha” (2001) e “Cafundó” (2005), entre outros. Mas foi ao teatro que ele retornou com brilho em 2005, dividindo o palco com Gracindo Jr. e Chico Tenreiro na peça “Três Homens Baixos”.
O palco, seu primeiro lar artístico, sempre o recebeu de braços abertos. E foi nele que o ator reafirmou seu amor visceral pela arte de interpretar — uma paixão que jamais se apagou.
Homenagens e comoção: um ícone que inspira gerações
A notícia da morte de Francisco Cuoco gerou comoção imediata entre colegas, fãs e admiradores. O autor Walcyr Carrasco escreveu: “Nos deixou hoje um dos maiores atores da nossa televisão. Francisco Cuoco foi um ícone, um artista que inspirou gerações e levou emoção a milhões de lares.”
Ao longo da carreira, Cuoco construiu um legado que vai muito além das telas. Representou a elegância do galã clássico, mas também a profundidade do homem comum. Interpretou padres, jornalistas, empresários, taxistas — e deu alma a cada um deles com a mesma maestria.
Despedida reservada, memória eterna
Francisco Cuoco será velado nesta sexta-feira (20), no Funeral Home, na Bela Vista, em cerimônia reservada à família e amigos próximos. Deixa três filhos — Tatiana, Rodrigo e Diogo — e milhões de brasileiros que o viram crescer, amadurecer e brilhar diante das câmeras ao longo de mais de seis décadas.
Ao lembrar de sua infância no Brás, Cuoco sempre contava como o circo era sua primeira inspiração. Hoje, o palco da vida se despede de um de seus artistas mais completos. E o menino que encantava vizinhos com diálogos improvisados agora entra para a história como um dos maiores atores que o Brasil já teve.