No leito remoto do rio Acre, em plena floresta amazônica, pesquisadores de três universidades brasileiras encontraram um fóssil que promete redefinir o conhecimento científico sobre a megafauna que habitou a América do Sul há milhões de anos.
Trata-se da carapaça de uma tartaruga gigante da espécie Stupendemys geographicus, cujas dimensões superam qualquer registro já feito de tartarugas de água doce no planeta. Com impressionantes 2,40 metros de comprimento e 1,80 metro de largura, o fóssil representa a maior já registrada entre animais desse grupo e revela muito mais que apenas uma curiosidade paleontológica: oferece pistas sobre o ambiente, o clima e a cadeia alimentar de um tempo remoto, entre 10,8 e 8,5 milhões de anos atrás, durante o Mioceno Superior.
Junto ao casco, os pesquisadores também localizaram fragmentos do antebraço e parte do fêmur da criatura extinta, que pode ter vivido em lagos e rios abundantes de uma Amazônia ainda em formação.
A equipe responsável pela descoberta é formada por cientistas da Universidade Federal do Acre (Ufac), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Campinas (Unicamp). O local do achado é de difícil acesso, com densa vegetação e clima severo, e o material encontrado permanece protegido em território amazônico até que as condições logísticas permitam seu transporte para análise laboratorial.
A paleontóloga Annie Schmaltz Hsiou, uma das coordenadoras da expedição, destacou que o trabalho vem sendo conduzido com apoio de comunidades locais e que a preservação do fóssil tem seguido critérios científicos rigorosos. Ao que tudo indica, o espécime encontrado representa um dos mais bem preservados registros dessa espécie até hoje — e, sobretudo, uma das peças-chave para o estudo da megafauna do Mioceno na América do Sul.
Para além de seu tamanho monumental, a tartaruga Stupendemys geographicus chama atenção pelo contexto em que viveu. Estudos preliminares indicam que esse animal era onívoro, ou seja, sua dieta incluía desde plantas aquáticas até moluscos, crustáceos e pequenos vertebrados. Essa versatilidade alimentar pode ter sido uma das razões para sua longevidade como espécie em um ecossistema em constante transformação.
Além disso, a pesquisa também avança em outro ponto crucial: a geologia da região onde o fóssil foi encontrado. Com a ajuda de cristais de zircão extraídos de rochas sedimentares, os cientistas estão conseguindo datar com mais precisão a idade dos sedimentos e, consequentemente, ampliar o entendimento sobre os eventos geológicos que moldaram o atual relevo amazônico.
A descoberta ainda é recente, mas já levanta hipóteses importantes sobre o comportamento da megafauna brasileira e a resiliência de certos animais diante das mudanças climáticas do passado. Estudar a Stupendemys geographicus é, portanto, uma maneira de entender como espécies de grande porte se adaptaram — ou não — às transformações ambientais e à fragmentação de habitats.
Em tempos de discussões intensas sobre a conservação da Amazônia e as consequências das mudanças climáticas atuais, esse fóssil atua como um elo entre passado e futuro: ele evidencia a riqueza de um bioma que sempre foi diverso, desafiador e profundamente interligado com a história evolutiva do continente. A tartaruga gigante do Acre, agora resgatada do silêncio geológico, ainda guarda muito a dizer sobre quem fomos e quem poderemos ser como espécie em meio ao planeta que partilhamos.

Com mais de 20 anos de atuação na área do jornalismo, Luiz Veroneze é especialista na produção de conteúdo local e regional, com ênfase em assuntos relacionados à política, arqueologia, curiosidades, livros e variedades.