Na tranquila paisagem campestre de Marliens, a poucos quilômetros de Dijon, no coração do vale de Ouche, encontra-se uma história milenar esperando para ser descoberta. Recentemente, arqueólogos da INRAP foram chamados para investigar a área antes da expansão de uma pedreira local.
O que encontraram foi uma saga de empreendimentos humanos que remontam ao período Neolítico até o início da Idade do Ferro. Esta descoberta fascinante desafia nossa compreensão da pré-história europeia, revelando assentamentos, sepulturas e estruturas enigmáticas espalhadas por 6 hectares de terra.
O mais antigo vestígio encontrado é um monumento composto por três recintos entrelaçados. No centro, um recinto circular com 11 metros de diâmetro. Ao norte, um recinto em forma de “ferradura” com 8 metros de comprimento se une ao recinto circular, e ao sul, há um recinto aberto apoiado no recinto central. A presença de uma camada de cascalho, observada no preenchimento dos dois recintos laterais, testemunha a existência de uma paliçada.
Este tipo de monumento parece sem precedentes e ainda não foi possível fazer comparações. A datação ainda permanece incerta, porém os únicos artefatos descobertos nos fossos correspondem a sílex cortados, o que sugere uma atribuição crono-cultural ao período Neolítico. Análises de radiocarbono estão em andamento para esclarecer a cronologia deste monumento.
O período do Cálice Campaniforme é atestado por diversos objetos descobertos logo abaixo do solo em uma estrutura nivelada. Este conjunto inclui sete pontas de flecha de sílex, dois braceletes de arqueiro, um isqueiro de sílex e uma adaga de liga de cobre. Vestígios de “óxido de ferro” foram observados em um dos braceletes, correspondendo a pirita, elemento essencial para acender fogo. Essa série de objetos frequentemente acompanha um sepultamento, porém, devido à sua posição estratigráfica na base dos arados, essa hipótese não pôde ser confirmada.
A análise da composição da liga de cobre da adaga deve permitir estabelecer sua origem e fornecer informações sobre trocas comerciais na época.
A ocupação durante o início da Idade do Bronze é caracterizada pela presença de vários poços, os únicos vestígios remanescentes de habitação deste período. Análises palinológicas (de pólen) e carpológicas (de sementes) das camadas de argila no fundo dessas estruturas fornecem muitas informações sobre o ambiente natural e a paisagem do vale na primeira metade do segundo milênio a.C.
Entre 1500 a.C. e 1300 a.C., uma necrópole de cinco recintos circulares, compostos por quatro recintos abertos e um fechado, está localizada na planície, cobrindo uma área de 6000 m². A acidez do solo não permitiu a preservação de ossos não queimados, de modo que nenhum sepultamento completo foi descoberto, porém restos de sepultamentos e uma pira funerária foram identificados nos fossos do maior recinto aberto, com 24 metros de diâmetro.
A datação deste recinto é baseada em cinco pinos de liga de cobre e um colar com cerca de quarenta contas de âmbar descobertos depositados em seu fosso. Os raros fragmentos de cerâmica coletados nos outros recintos confirmam a datação desta necrópole e a contemporaneidade dos diferentes recintos.
Por fim, a última ocupação corresponde a uma segunda necrópole, cerca de 400 metros de distância da anteriormente descrita. É caracterizada pela descoberta de seis cremações datadas do início da Idade do Ferro. As urnas, cobertas por uma tampa, continham um único depósito ósseo, às vezes acompanhado de ornamentos (pulseiras e/ou anéis em liga de cobre e ferro).
Essas pequenas necrópoles, com uma área de menos de 100 m², são difíceis de identificar durante diagnósticos, e esta é a primeira vez que um desses complexos foi escavado no leste da Borgonha. Estudos dos ossos cremados estão em andamento para determinar práticas funerárias e gestos ligados a esses depósitos.
A jornada arqueológica em Marliens revela uma tapeçaria complexa da história humana, desde os primórdios da civilização até os primeiros passos da Idade do Ferro. Cada descoberta desafia nossas suposições sobre o passado e nos leva a uma compreensão mais profunda das sociedades antigas que moldaram a paisagem que conhecemos hoje. Enquanto os arqueólogos continuam a escavar e estudar, Marliens permanece como um testemunho silencioso da incrível jornada da humanidade através dos tempos.
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