Sob a densa vegetação da selva do estado de Campeche, no sudeste do México, arqueólogos desvelaram recentemente vestígios de uma civilização surpreendentemente complexa, enterrada por séculos.
Trata-se de Valeriana, uma cidade maia perdida, cujas pirâmides e praças ficaram escondidas à vista — ninguém esperava encontrar tanta riqueza estrutural tão próxima da superfície. Essa descoberta, obtida por meio de varreduras lidar em imagens antigas, reacende debates sobre a extensão urbana dos maias e as técnicas inéditas para revelar a história sem arar um só centímetro de terra.
A identificação de Valeriana foi possível graças ao lidar (light detection and ranging), tecnologia que usa lasers montados em drones ou aviões para mapear terrenos sob densas copas. Em 2013, lidar foi usado em estudos ambientais, mas somente em 2024 o pesquisador Luke Auld‑Thomas, da Northern Arizona University, analisou esses arquivos e percebeu padrões claros de assentamentos humanos. A partir daí, um time interdisciplinar com universidades norte-americanas e o INAH (Instituto Nacional de Antropologia e História do México) iniciou a investigação oficial.
Valeriana cobre pelo menos 122 km² de selva e inclui cerca de 6 647 estruturas, num nível de complexidade urbana comparável à de Calakmul e outras capitais clássicas maias. Entre os vestígios estão:
- templos-pirâmides alinhadas em praças cerimoniais;
- uma quadra de jogo de bola;
- reservatório formado por barragem natural;
- sistema de calçadas ou ‘causeways’ conectando setores urbanos
A densidade calculada é de 55 estruturas por km², o que ultrapassa valores de Belize e Guatemala. Estima-se que Valeriana abrigou entre 30 000 e 50 000 pessoas entre 750 e 850 d.C., tornando-a um dos centros políticos mais importantes da região.
O padrão arquitetônico inclui conjuntos chamados “E‑Group”, arranjos associados ao Observatório Solar maia, sugerindo fundação da cidade a partir de cerca de 150 d.C. Esse sistema marcava eventos astronômicos, reforçando a função cerimonial do local. Além disso, a existência de vias interligando bairros mostra planejamento urbano avançado, com integração de zonas residenciais e administrativas.
Valeriana desmonta a noção de que os maias viviam apenas em núcleos isolados. Com densidade populacional robusta, a cidade contrapõe teorias sobre populações dispersas, revelando que estruturas profundas e extensas permaneciam escondidas sob árvores vivas.
Segundo Auld‑Thomas, esses dados ampliam nossa visão sobre urbanismo antigo e podem oferecer lições sobre sustentabilidade em regiões tropicais.
A aplicação de lidar a estudos já existentes, pensada originalmente para monitorar carbono e floresta, evidencia o potencial de reuso de dados em ciências sociais . Agora, arqueólogos podem mapear cidades inteiras sem tocar na vegetação, tornando a pesquisa menos invasiva e mais eficiente. A tecnologia abriu a porta para o possível redescobrimento de dezenas ou centenas de locais ainda escondidos.
Embora a detecção via lidar revele a estrutura urbana, a escavação no terreno ainda é necessária. O plano de campo prevê sondagens arqueológicas, datagens precisas, coleta de cerâmicas, análise de resíduos dietéticos e estudos paleoambientais. O objetivo é compreender a dinâmica política, econômica e ambiental de Valeriana em seu contexto regional.
A arquitetura urbana de Valeriana, com sua integração social, suprimento hídrico e preservação florestal, pode inspirar práticas sustentáveis no presente. O estudo de dimensões demográficas e soluções ambientais adaptadas à selva pode servir como modelo para planejamento urbano moderno em áreas tropicais.
A descoberta de Valeriana representa uma das mais relevantes redescobertas arqueológicas dos últimos anos nas Américas. Uma metrópole maia, elegante e complexa, ora escondida sob folhas, mostra que o passado humano era mais urbano e integrado do que pensávamos. Descobrir suas ruas, praças e pirâmides é reconstruir vozes que foram silenciadas pelo tempo.
Cada construção mapeada, cada fragmento cerâmico encontrado, traz novas perguntas — e respostas — sobre como viveram aqueles que ergueram uma cidade no meio da selva e hoje nos legam lições valiosas. O fato de Valeriana estar “ali, o tempo inteiro, sem que ninguém visse” é um testemunho da urgência de repensar o que sabemos sobre história, tecnologia e nosso lugar no mundo.