Cerca de 30.000 anos atrás, nas planícies da atual República Tcheca, crianças pré-históricas moldavam o futuro, não apenas com pedras e ossos, mas também com argila. Em um cenário onde a sobrevivência dependia da habilidade e conhecimento passados de geração em geração, a descoberta de estatuetas de cerâmica feitas por crianças oferece um vislumbre tocante e humano da vida na Era Glacial.
Estas pequenas figuras, encontradas em locais arqueológicos, revelam que, assim como hoje, as crianças de então brincavam, aprendiam e exploravam o mundo ao seu redor de maneiras surpreendentemente familiares.
Em 1925, a descoberta de uma figura icônica de uma mulher em Dolni Vestonice, na República Tcheca, abriu as portas para uma série de achados arqueológicos significativos. Estatuetas antropomórficas e zoomórficas adicionais foram encontradas nas décadas seguintes, e em 2002, impressões digitais foram descobertas em muitos dos objetos. Estes achados lançaram uma nova luz sobre as atividades das crianças durante a Era Glacial.
Estudos recentes sugerem que as crianças pré-históricas moldavam pequenas estatuetas de argila como parte de suas brincadeiras. Quando chamadas para comer ou realizar outras atividades, deixavam essas figuras inacabadas ou espalhadas no chão. Algumas eram queimadas na lareira, talvez para prática ou preservação, enquanto outras eram deixadas ao relento. “A evidência que eles estão analisando é incrivelmente forte, e é uma explicação realmente plausível para o que estão descobrindo”, diz Jane Baxter, antropóloga da DePaul University.
April Nowell, uma arqueóloga paleolítica, percebeu, ao escrever seu livro Growing Up in the Ice Age, que faltavam informações sobre a produção artesanal infantil no registro arqueológico. Em colaboração com Becky Farbstein, uma especialista em cerâmica da Era Glacial, conduziram o primeiro estudo sistemático de 489 artefatos de cerâmica, analisando fotografias de alta resolução para identificar evidências de novatos, possivelmente crianças, fazendo cerâmica.
Nowell e Farbstein observaram o tamanho, a assimetria e a dificuldade dos passos na criação das estatuetas. As mãos menores tendem a fazer figuras menores e com mais inconsistências, características presentes nos achados de Dolni Vestonice. Além disso, as cerâmicas eram feitas de argila local, facilmente acessível para as crianças, em contraste com a arte feita de marfim de mamute, osso e chifre, que exigia mais esforço para ser obtida e era frequentemente usada em sepultamentos.
A cerâmica de Dolni Vestonice era geralmente feita perto de lareiras, indicando que as crianças estavam praticando e brincando com argila. Marcas de arranhões e impressões digitais nos objetos revelam que as estatuetas foram feitas por crianças entre 6 e 10 anos e adolescentes entre 10 e 15 anos. “Então, acho que o que isso nos mostra é que estamos obtendo toda a faixa ou toda a gama de aprendizado por meio da brincadeira que acontece”, diz Nowell.
Izzy Wisher, um arqueólogo focado na arte rupestre do Paleolítico Superior, argumenta que as crianças eram participantes ativos na evolução cultural. Estudar suas contribuições nos ajuda a entender melhor a transmissão de conhecimento e a evolução das sociedades. “As sociedades sempre avançaram por meio da transferência de conhecimento, mas nem toda informação é transferida de uma geração para a outra. Crianças e adolescentes são aqueles que decidem o que é levado para a próxima geração, o que os torna os influenciadores originais”, afirma Nowell.
Estudar as atividades das crianças pré-históricas também nos ajuda a conectar com essas antigas sociedades de maneira mais humana. Jane Baxter comenta: “Não sei o que significava ser um oleiro na Idade do Bronze ou um faraó na quarta dinastia ou um escravo sob Nabucodonosor, mas se eu mostrasse o que uma criança estava fazendo em qualquer um desses tempos e lugares, eu posso imaginar uma experiência semelhante.”
As estatuetas de cerâmica encontradas em Dolni Vestonice não são apenas artefatos arqueológicos; são evidências tangíveis de brincadeira, aprendizado e vida comunitária na Era Glacial. Estas descobertas nos permitem vislumbrar um lado mais íntimo e humano de nossos ancestrais, lembrando-nos que, independentemente do tempo, as crianças sempre foram curiosas, criativas e fundamentais para a continuidade cultural.
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