Pompeia — a cidade romana eternamente soterrada e, ironicamente, sempre desenterrando novas histórias. Mais de dois mil anos após a tragédia vulcânica que a silenciou, essa antiga metrópole segue revelando segredos com o poder de reescrever o passado.
Desta vez, os holofotes se voltam para duas figuras imponentes, esculpidas em pedra, que emergiram quase intactas das ruínas de um túmulo na necrópole de Porta Sarno. Uma mulher adornada como uma sacerdotisa. Um homem vestido com uma toga cerimonial. Quem foram eles? E o que seus traços eternizados têm a nos dizer?
Este artigo é uma viagem arqueológica, histórica e simbólica aos bastidores dessa descoberta que promete enriquecer — e muito — nosso entendimento sobre a vida, a morte e o imaginário religioso da Roma antiga.
Durante escavações recentes no setor leste de Pompeia, arqueólogos fizeram uma descoberta digna de capa de jornal: duas estátuas quase em tamanho real, repousando em um túmulo datado do final da República Romana. O local? A necrópole de Porta Sarno, uma das principais portas de entrada da cidade.
As esculturas representam um homem e uma mulher, ambos ricamente detalhados, esculpidos com tanta precisão que parecem prontos para retomar seus papéis sociais de outrora. A mulher, possivelmente uma sacerdotisa, ostenta joias, acessórios e um pingente em forma de lua crescente — símbolo associado a cultos femininos e à deusa Ceres. Já o homem, trajando uma toga, segue envolto em mistério. Sem inscrições, seu nome e função continuam um enigma à espera de solução.
Os elementos iconográficos não mentem: a presença da lua crescente, as folhas de louro nas mãos e a delicadeza dos adornos apontam para algo mais que status social. A estátua feminina parece ter pertencido a uma mulher inserida em rituais religiosos — talvez uma sacerdotisa de Ceres, deusa romana da fertilidade, da agricultura e da renovação da vida.
O culto a Ceres era uma instituição poderosa em Roma, e suas sacerdotisas gozavam de respeito e certa autonomia dentro da sociedade patriarcal. Se confirmada essa função, a descoberta amplia nosso entendimento sobre o papel feminino em Pompeia e, mais especificamente, sobre as funções religiosas desempenhadas por mulheres de elite.
Se a figura feminina dá pistas sobre sua identidade e função, o homem continua envolto em mistério. Vestido com toga — um traje reservado a cidadãos romanos —, ele sugere nobreza ou autoridade pública. Mas a ausência de nomes ou inscrições funerárias dificulta qualquer afirmação categórica.
Poderia ser um político local? Um magistrado? Um membro da aristocracia pompeiana? Ou talvez um patrono do templo onde a possível sacerdotisa servia? A arqueologia, por enquanto, oferece mais perguntas do que respostas. Mas o simples fato de compartilhar o mesmo túmulo com ela aponta para uma ligação íntima, talvez matrimonial ou espiritual.
Estátuas funerárias em tamanho real não são comuns — especialmente em contextos de túmulos localizados fora das áreas centrais da cidade. O achado indica uma prática funerária refinada e revela o desejo de eternizar não apenas o nome, mas também a imagem, a função e o status dos mortos.
Além disso, a descoberta ilumina aspectos culturais pouco explorados: o papel das mulheres na religião local, o refinamento artístico do período final da República Romana e os códigos simbólicos usados nas práticas funerárias. Cada detalhe — da toga à joia — é um parágrafo de uma história que ainda estamos decifrando.
Pompeia sempre foi um capítulo à parte na arqueologia mundial. Enterrada sob cinzas em 79 d.C. durante a erupção do Vesúvio, a cidade foi congelada no tempo — literalmente. Por isso, qualquer descoberta em seu solo é um mergulho direto na vida cotidiana dos romanos.
E não faltam surpresas: padarias com pães petrificados, grafites eróticos em paredes, afrescos exuberantes, esqueletos ainda abraçados. Agora, com essas duas estátuas, somos convidados a refletir sobre o que significava morrer — e ser lembrado — naquela época. Morrer bem, aliás, era quase tão importante quanto viver com honra.
As esculturas estão sendo restauradas com extremo cuidado e estarão disponíveis ao público em uma exposição especial a partir de 16 de abril, diretamente no parque arqueológico de Pompeia. A mostra será acompanhada de painéis explicativos, modelos 3D e reconstruções digitais que prometem atrair estudiosos e curiosos de todo o mundo.
É uma oportunidade única de se aproximar de uma Roma menos idealizada e mais humana — feita de indivíduos que amavam, temiam os deuses, cultuavam os mortos e buscavam eternidade através da arte.