Nas margens do Mar Báltico, uma descoberta silenciosa começou a reescrever parte da história do Neolítico europeu. Em 2022, um agricultor da região de Kołobrzeg, na Polônia, encontrou algo inesperado ao trabalhar a terra: uma pequena figura esculpida em calcário, com contornos femininos e traços rudimentares.
O objeto, com quase 13 centímetros de altura, despertou o interesse imediato de arqueólogos, que logo perceberam estar diante de um artefato extraordinário. Batizada de “Vênus de Kołobrzeg”, essa peça ancestral foi agora confirmada como tendo mais de 6.000 anos, lançando nova luz sobre os símbolos de fertilidade e espiritualidade do norte da Europa pré-histórica.
O termo “Vênus” não é novo entre os arqueólogos. Ele é usado para descrever estatuetas femininas encontradas em sítios neolíticos e paleolíticos, geralmente associadas à fertilidade, maternidade ou poder feminino. A mais famosa delas talvez seja a Vênus de Willendorf, descoberta na Áustria e datada de cerca de 30 mil anos. Mas o exemplar polonês tem um papel singular no mapa arqueológico europeu.
A Vênus de Kołobrzeg é, até agora, a única estatueta desse tipo encontrada ao norte dos Montes Cárpatos, uma região onde tais figuras simbólicas são extremamente raras. Isso faz com que seu valor histórico e antropológico seja ainda mais significativo, revelando rotas culturais e espirituais mais amplas do que se pensava.
Simplicidade que revela intenções antigas
Feita de calcário claro e com feições propositalmente simplificadas, a figura apresenta um corpo feminino estilizado, com seios discretos, ausência de rosto definido e membros inferiores esculpidos de forma tosca — provavelmente por meio de impactos repetidos com uma ferramenta de pedra. Seu dorso plano sugere que tenha sido colocada sobre alguma base ou exibida de pé, talvez em rituais ou altares domésticos.
Essa simplicidade técnica, no entanto, não diminui sua importância simbólica. Pelo contrário, ela reforça uma estética própria do Neolítico — marcada por funcionalidade, ritual e significado coletivo — em vez de busca por realismo ou refinamento artístico.
Símbolo de fertilidade ou representação espiritual?
A presença de figuras femininas com formas acentuadas e ausência de detalhes anatômicos tem sido interpretada por muitos estudiosos como símbolos de fertilidade. Em tempos nos quais a agricultura começava a se estabelecer como base da vida comunitária, a representação da mulher como geradora de vida ganhava força em muitos povos antigos.
Mas outras interpretações também são possíveis. A ausência de rosto, por exemplo, pode indicar uma intenção de anonimato sagrado, ou ainda representar uma deidade comum, coletiva e não individualizada. Essas peças podem ter servido como totens, oferendas, objetos cerimoniais ou até ferramentas pedagógicas dentro das culturas neolíticas.
Um achado que conecta culturas
A descoberta da estatueta em Kołobrzeg amplia a compreensão sobre a extensão dos cultos neolíticos relacionados à fertilidade. Antes concentrados nas regiões centrais e meridionais da Europa, esses achados agora também alcançam o norte, sugerindo que as crenças e práticas espirituais da época podem ter sido mais disseminadas do que se imaginava.
Ela também aponta para o potencial ainda não explorado de áreas menos visadas pela arqueologia tradicional, como os campos agrícolas do norte polonês, cujas terras ainda podem esconder outras relíquias da antiguidade humana.
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