Enquanto o mundo corta juros, Brasil enfrenta novo ciclo de alta da Selic

Nos últimos anos, as principais economias do mundo têm finalmente começado a cortar suas taxas de juros, após um longo período de alta motivado pela inflação e pela recuperação pós-pandemia. No Brasil, no entanto, o cenário é diferente. Ao contrário de países como Estados Unidos e zona do euro, onde as taxas de juros começam a ceder, o Banco Central brasileiro se vê na necessidade de aumentar novamente a Selic, a taxa básica de juros, para conter a inflação e ajustar as expectativas do mercado.

Enquanto economias globais estão desacelerando a inflação, o Brasil enfrenta um desafio distinto: uma economia aquecida e o aumento dos gastos públicos impulsionam a alta dos preços. Isso coloca o país na contramão da tendência mundial de afrouxamento monetário, com previsões de que a Selic, que já está em 10,5%, pode subir para 12% e manter-se elevada até 2026.

Desde maio de 2024, a Selic está em 10,5%, interrompendo um ciclo de quedas que havia começado em agosto de 2022, após a taxa atingir o pico de 13,75%. Com o aumento da inflação doméstica, impulsionada pelo aquecimento da economia e pela expansão dos gastos públicos, o Banco Central do Brasil se viu na necessidade de reverter essa trajetória e retomar a alta dos juros.

O mercado financeiro já se prepara para um novo ciclo de alta, com a expectativa de que a Selic possa chegar a 12% nos próximos meses. Esse aumento é visto como necessário para reancorar as expectativas inflacionárias e garantir que a inflação volte ao centro da meta, evitando que os preços saiam de controle.

A inflação acumulada no Brasil, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), está em torno de 4,5%, próximo ao teto da meta estabelecida pelo Banco Central. No entanto, as pressões inflacionárias continuam presentes, principalmente devido à forte demanda interna e aos efeitos da política fiscal expansionista do governo.

Enquanto o Brasil encara uma nova alta dos juros, o cenário internacional mostra uma tendência oposta. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed) manteve as taxas de juros entre 5,25% e 5,5% ao longo de 2023, mas agora sinaliza para um possível corte. A expectativa é que o Fed comece a reduzir as taxas já em setembro de 2024, como parte de um movimento de desinflação observado na maior economia do mundo.

Da mesma forma, na zona do euro, o Banco Central Europeu (BCE) iniciou um ciclo de cortes em junho, reduzindo a taxa de juros para 3,75%, marcando a primeira queda desde 2019. O Banco da Inglaterra seguiu a mesma tendência, rebaixando os juros para 5% em julho.

Essas economias estão enfrentando um processo de desinflação, ou seja, uma desaceleração na variação dos preços, que permite a flexibilização da política monetária. No Brasil, porém, o cenário é diferente. A inflação persiste em alta, alimentada por fatores internos como o aumento dos gastos públicos e a expansão do crédito, além de elementos externos, como a valorização do dólar e o aumento dos preços de commodities.

Um dos principais fatores que influenciam a alta dos juros no Brasil é a política fiscal expansionista adotada pelo governo federal. Desde a campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem priorizado o aumento dos gastos públicos, com medidas como a expansão do salário mínimo e o fortalecimento de programas sociais. Esses gastos, embora necessários em momentos críticos, como a pandemia, geram uma pressão adicional sobre a demanda, que por sua vez aumenta os preços.

Segundo Beto Saadia, economista da Nomos Investimentos, esse ímpeto fiscal não é uma novidade. Mesmo antes da posse de Lula, o governo de Jair Bolsonaro já havia ampliado os gastos públicos com a aprovação da PEC da Transição, que liberou recursos extras para despesas prioritárias. O problema, segundo Saadia, é que essas políticas fiscais expansionistas foram mantidas mesmo em um momento em que a economia brasileira já mostrava sinais de aquecimento.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, reforça essa visão ao destacar que o aumento dos gastos públicos vem desequilibrando a balança da política monetária. Enquanto o Banco Central sobe os juros para conter a inflação, o governo federal injeta recursos na economia, estimulando ainda mais a demanda e dificultando o controle dos preços.

Outro fator que tem contribuído para o aumento da inflação no Brasil é a valorização do dólar. Em agosto de 2024, a moeda americana atingiu a cotação de R$ 5,70, o maior nível desde 2021. Embora tenha recuado levemente nas semanas seguintes, o dólar continua rondando a casa dos R$ 5,60, exercendo pressão sobre os preços de produtos importados e insumos dolarizados.

Essa valorização do dólar está diretamente ligada ao clima de incerteza global, especialmente em relação à economia dos Estados Unidos. O temor de uma recessão na maior economia do mundo fez com que investidores buscassem segurança na moeda americana, elevando seu valor em relação a outras divisas, incluindo o real.

Para conter essa escalada do dólar, o Banco Central do Brasil promoveu um leilão de US$ 1,5 bilhão no mercado de câmbio à vista, a primeira intervenção desse tipo desde 2022. No entanto, as pressões externas continuam elevadas, dificultando uma estabilização cambial mais duradoura.

A crise hídrica que afeta o Brasil também tem um papel importante na manutenção da inflação em níveis elevados. Com a seca prolongada, o país precisou acionar a bandeira vermelha 1 nas tarifas de energia elétrica, o que implica em um custo adicional de R$ 4,463 por cada 100 quilowatts-hora consumidos. Esse aumento nas tarifas de energia impacta diretamente os custos de produção de diversos setores, além de afetar o bolso do consumidor final.

O cenário de seca também gera incertezas para o setor agrícola, que depende de condições climáticas favoráveis para manter a produtividade. Com a alta nos preços de alimentos, um dos principais componentes do IPCA, a inflação brasileira continua a ser pressionada, justificando as ações do Banco Central para controlar os preços por meio da elevação dos juros.

Analistas apontam que a alta da Selic no Brasil está diretamente ligada ao contexto macroeconômico atual, com destaque para a combinação entre expansão fiscal e inflação elevada. Enquanto o governo federal busca incentivar a economia com mais gastos, o Banco Central adota uma postura de contenção, elevando os juros para reduzir a demanda e controlar os preços.

O dilema enfrentado pelo Brasil é que a economia está aquecida: as taxas de desemprego estão em níveis historicamente baixos, e o país apresenta crescimento em diversas áreas. No entanto, esse aquecimento, combinado com a política fiscal expansionista, alimenta a inflação, tornando necessário o uso de juros altos para conter o consumo e evitar uma escalada descontrolada dos preços.

O futuro da Selic no Brasil ainda é incerto, mas a expectativa é que os juros permaneçam elevados até meados de 2026, de acordo com previsões mais pessimistas do mercado. No entanto, alguns analistas apontam que, caso o cenário global de corte de juros se consolide, o Brasil também poderá se beneficiar dessa tendência.

A queda dos juros nos Estados Unidos, por exemplo, poderia aliviar as pressões sobre o dólar, reduzindo a necessidade de intervenções no mercado de câmbio e, eventualmente, permitindo uma flexibilização da política monetária no Brasil.

No entanto, para que isso aconteça, será necessário um ajuste na política fiscal, com mais controle sobre os gastos públicos e um foco maior no equilíbrio orçamentário. O Banco Central do Brasil continuará a monitorar os indicadores econômicos e a ajustar sua política conforme necessário, mas o caminho para uma queda sustentada dos juros ainda depende de uma série de fatores internos e externos.