Hoje na história: 9 de Julho, Dia da Independência da Argentina

Na manhã de 9 de julho de 1816, uma sala modesta em San Miguel de Tucumán tornava-se palco de um momento decisivo: representantes de várias províncias reuniam-se para declarar a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata — nome da futura Argentina — da monarquia espanhola.

Mas essa cena solene é apenas o ponto alto de uma história cheia de reviravoltas, conspirações, projetos frustrados e visões grandiosas. Antes da caneta tocar o papel, houve batalhas travadas com espadas e com ideias.

Havia dúvidas se a jovem nação seguiria o modelo francês, inglês ou criaria algo novo. Havia até quem defendesse um rei inca. Sim, um rei inca! Este artigo mergulha nos bastidores dessa virada histórica sul-americana, revelando detalhes pouco lembrados de um dos marcos fundadores da América Latina.

O império em crise e o início do abalo colonial

Tudo começa com um terremoto político a milhares de quilômetros dali. Em 1808, Napoleão Bonaparte ocupou a Espanha, depôs o rei Fernando VII e instalou seu irmão, José Bonaparte, como novo soberano. O império espanhol, já desgastado, foi abalado de forma irreversível. Nos territórios da América, especialmente no Vice-Reinado do Rio da Prata, isso gerou uma questão incômoda: com o rei deposto, a quem devemos obediência?

A resposta viria em 1810, em Buenos Aires, quando líderes criollos — filhos de espanhóis nascidos na América — decidiram afastar o vice-rei e criar uma junta de governo. A Revolução de Maio foi o estopim do processo de independência. Curiosamente, os revolucionários não declararam a separação naquele momento. Em vez disso, disseram que governariam em nome de Fernando VII, o rei prisioneiro. Uma jogada de xadrez política, à espera de um xeque-mate mais oportuno.

Uma nova ideia de país nascia entre debates e conflitos

Após a Revolução de Maio, o cenário era de incertezas. O que fazer com um território tão vasto, sem rei, sem Constituição, sem consenso? Algumas regiões apoiaram a causa de Buenos Aires, outras resistiram. O Paraguai se separou. O Alto Peru (atual Bolívia) virou campo de batalha. Montevidéu, fortemente ligada à Espanha, virou bastião realista até ser tomada por tropas revolucionárias.

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No meio dessa instabilidade, nascia a ideia das “Províncias Unidas do Rio da Prata”, um embrião da Argentina moderna. Não era um Estado estruturado, mas um acordo provisório entre províncias com culturas, economias e interesses muitas vezes opostos. A capital, Buenos Aires, tentava impor liderança. O interior reagia com desconfiança.

Congresso de Tucumán: entre reis incas e repúblicas modernas

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Imagem gerada por IA

Em 1816, um congresso foi convocado em Tucumán, cidade longe do poder central, mas estratégica pela neutralidade. Os representantes de várias províncias chegaram entre março e junho. Alguns vieram a cavalo, outros a pé, atravessando planícies e montanhas. Debateram por meses como dar forma à independência e ao novo país.

E aí surgem curiosidades pouco conhecidas: Manuel Belgrano, um dos heróis da independência e criador da bandeira argentina, propôs que o novo país fosse uma monarquia constitucional… com um rei descendente dos incas. Isso mesmo: a ideia era unir o moderno e o ancestral, criando uma identidade própria, respeitando a raiz indígena e rompendo com os moldes europeus.

A proposta não foi aceita, mas revela a riqueza de pensamento político daquele tempo. Enquanto isso, fora das salas de debate, os campos de batalha ainda ardiam. Era preciso agir com urgência.

9 de julho de 1816: a ata que mudaria o continente

No dia 9 de julho, finalmente, o Congresso declarou formalmente a independência. O documento dizia, em termos solenes, que as Províncias Unidas do Rio da Prata se separavam para sempre da Espanha e de qualquer outra potência estrangeira. Não havia mais máscaras. A ruptura era clara e irreversível.

A ata original foi redigida em espanhol e, em seguida, traduzida para quíchua e aimará — línguas indígenas amplamente faladas nas regiões andinas, então parte do território. Essa decisão mostrava um esforço de inclusão e um reconhecimento da pluralidade étnica do novo país, algo raro na época.

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San Martín e a travessia que virou lenda

Enquanto os políticos assinavam papéis, os generais abriam caminhos. José de San Martín, um militar argentino treinado na Espanha, já preparava seu plano audacioso: cruzar os Andes com um exército e libertar o Chile e o Peru, onde ainda havia forte presença realista.

A travessia dos Andes, realizada em janeiro de 1817, entrou para a história como uma das maiores façanhas militares do continente. Com temperaturas extremas, terrenos hostis e escassez de recursos, San Martín liderou cerca de 4 mil soldados pela cordilheira. Em fevereiro, venceria os espanhóis na Batalha de Chacabuco. A independência chilena estava a caminho, e o caminho para Lima seria aberto.

Belgrano, o símbolo e a utopia

Manuel Belgrano, por sua vez, representava o intelectualismo revolucionário. Advogado formado na Espanha, jornalista, militar improvisado, ele acreditava no poder da educação, na valorização das origens e em um modelo político que fosse latino-americano por essência. Criou a bandeira argentina em 1812, às margens do rio Paraná, e morreu em 1820, pobre, doente e praticamente esquecido.

Uma das curiosidades mais marcantes é que, ao morrer, Belgrano teria pago o médico com o único bem que lhe restava: um relógio de bolso. Ao seu lado, restava apenas a esperança de que a Argentina se tornasse o que ele havia sonhado.

A independência no papel e a guerra que continuava no campo

Na manhã de 9 de julho de 1816, uma sala modesta em San Miguel de Tucumán tornava-se palco de um momento decisivo: representantes de várias províncias reuniam-se para declarar a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata — nome da futura Argentina — da monarquia espanhola.

Apesar da assinatura da independência, o país estava longe de consolidado. As guerras contra os realistas prosseguiam, especialmente no Alto Peru. No interior, as disputas entre federalistas e centralistas se intensificavam. Buenos Aires queria concentrar o poder; as províncias desejavam autonomia. O conflito entre essas visões culminaria em décadas de guerra civil.

A Constituição argentina só seria promulgada em 1853, e Buenos Aires se integraria plenamente à Confederação somente em 1862. Ou seja, entre a independência formal e a criação de um Estado unido e funcional, passaram-se quase 50 anos.

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As curiosidades menos conhecidas sobre a independência argentina

  • A ata da independência foi assinada por 29 representantes, muitos dos quais não eram da elite tradicional.
  • O Congresso de Tucumán chegou a debater mudar a capital de Buenos Aires para outra cidade, temendo o domínio da capital sobre o país.
  • O termo “Argentina” ainda não era oficial em 1816; o nome formal era “Provincias Unidas del Río de la Plata”.
  • As festas de celebração foram modestas. A situação de guerra e crise econômica impediu grandes comemorações.
  • A Espanha só reconheceu formalmente a independência argentina em 1863, após anos de tensões diplomáticas.

Conclusão:

A independência da Argentina não foi um ato isolado ou repentino. Foi o resultado de décadas de transformações, ideias revolucionárias, lutas sangrentas e debates sobre o que seria uma nação livre no sul da América. O 9 de julho de 1816 marca o nascimento formal do país, mas também simboliza um momento em que o futuro foi colocado nas mãos dos próprios habitantes da terra.

A história da independência argentina, cheia de personagens visionários, estratégias ousadas e escolhas difíceis, segue como um exemplo de autodeterminação, ainda hoje estudado e celebrado em todo o continente. Cada assinatura em Tucumán ecoa até hoje, lembrando que a liberdade nunca foi simples — mas sempre valeu a pena.

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