A crise climática global não se limita ao aumento da temperatura média do planeta, à elevação do nível dos oceanos ou à intensificação de eventos extremos. Pesquisas recentes indicam que o derretimento acelerado das geleiras também pode estar contribuindo para um fenômeno menos evidente, mas potencialmente devastador: o aumento da atividade vulcânica em áreas glaciais. Um estudo apresentado durante a Conferência Goldschmidt de 2025, em Praga, lança um alerta inquietante — o recuo do gelo está libertando forças geológicas antes contidas.
Geleiras derretem, vulcões despertam
O principal autor do estudo, o geocientista Pablo Moreno Yaeger, da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), analisou a atividade de seis vulcões no sul do Chile durante e após a última era glacial. O trabalho demonstrou que, entre 26 mil e 18 mil anos atrás, a espessa camada de gelo que cobria a região exercia uma pressão que mantinha os vulcões relativamente inativos. Essa cobertura glacial funcionava, na prática, como uma tampa que impedia o acúmulo de pressão interna nas câmaras magmáticas.
À medida que as geleiras recuaram, essa “tampa” foi retirada, permitindo que gases e magma encontrassem caminho para a superfície, desencadeando erupções intensas. Um exemplo significativo foi a formação do vulcão Mocho-Choshuenco, que emergiu após o período de degelo. O padrão identificado na Patagônia levanta um sinal de alerta para outras regiões do planeta.
Islândia, Antártida e mais
O fenômeno não se restringe ao Chile. A Islândia já experimentou picos de atividade vulcânica correlacionados ao recuo de geleiras há cerca de 10 mil anos. O estudo amplia a preocupação para outras regiões cobertas por gelo, como a Antártida, América do Norte, Nova Zelândia e partes da Rússia. Segundo dados compilados em 2020, ao menos 245 vulcões ativos estão localizados sob ou próximos a mantos glaciais nessas áreas.
Com o avanço do aquecimento global e o recuo constante das geleiras, essas regiões podem sofrer um aumento expressivo no risco de erupções. Em especial, a Antártida, tradicionalmente considerada geologicamente estável, pode revelar uma face vulcânica ainda pouco conhecida — e perigosa.
A erupção como aceleradora da crise climática
O problema vai além do impacto geológico. As erupções vulcânicas são capazes de lançar na atmosfera enormes quantidades de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono e metano, além de partículas de enxofre que, embora causem um leve resfriamento temporário, contribuem a longo prazo para o aquecimento do planeta.
Trata-se de um ciclo vicioso: o aumento da temperatura global provoca o derretimento das geleiras, que, por sua vez, pode despertar vulcões antes adormecidos — e esses vulcões, ao entrarem em erupção, lançam ainda mais gases nocivos na atmosfera. Para Moreno Yaeger, é uma retroalimentação climática perigosa, capaz de acelerar os efeitos do aquecimento global de forma imprevisível.
Tecnologia e ciência ajudam a prever riscos
A equipe do estudo utilizou métodos de datação por argônio e análise de cristais formados durante antigas erupções para reconstruir com precisão os períodos de atividade vulcânica no sul do Chile. Essas técnicas oferecem uma compreensão mais profunda de como as mudanças ambientais influenciam diretamente o comportamento geológico da Terra.
Esse tipo de pesquisa é fundamental para que governos e comunidades em regiões de risco possam desenvolver protocolos de monitoramento e planos de contingência. A antecipação de eventos naturais, especialmente aqueles com potencial destrutivo como erupções vulcânicas, é uma ferramenta vital em tempos de transformações climáticas aceleradas.
Conclusão
O estudo apresentado em Praga serve como mais uma peça do intricado quebra-cabeça das mudanças climáticas. A Terra está respondendo ao aquecimento global de formas que vão além do esperado — e o despertar de antigos vulcões é uma delas. Entender como o degelo influencia a geodinâmica planetária é essencial para que possamos antecipar riscos e mitigar impactos. Afinal, quando o gelo derrete, não é apenas a paisagem que muda — é o próprio comportamento da Terra que começa a reagir.
LEIA MAIS: Mergulhadores encontram naufrágio português roubado por piratas em Madagascar
Apaixonada pela literatura brasileira e internacional, Heloísa Montagner Veroneze é especialista na produção de conteúdo local e regional, com ênfase em artigos sobre livros, arqueologia e curiosidades.