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Culto ancestral à água há 6 mil anos é identificado em estudo feito em pedras megalíticas

Por séculos, arqueólogos e viajantes se depararam com as pedras de dragão da Armênia — gigantescos megálitos esculpidos em forma de peixe ou couro bovino, espalhados pelas altas montanhas do país. Erguidos há cerca de 6.000 anos, esses monumentos eram um mistério: para que serviam? Por que foram posicionados em locais quase inacessíveis? Agora, um novo estudo lança luz sobre essas enigmáticas estruturas, revelando que elas faziam parte de um sofisticado culto à água que moldou a vida e a espiritualidade das comunidades pré-históricas do Planalto Armênio.

Pesquisadores analisaram 115 pedras de dragão, em um trabalho inédito publicado na npj Heritage Science. A equipe, liderada por Vahe Gurzadyan (Universidade Estadual de Yerevan) e Arsen Bobokhyan (Instituto de Arqueologia e Etnografia), concluiu que os monumentos foram erguidos deliberadamente em altitudes que ultrapassam os 2.700 metros — em plena zona de neve, onde a vida e a construção são extremamente desafiadoras.

O que surpreendeu os cientistas foi que, em vez de erguer pedras menores em locais de difícil acesso, as comunidades pré-históricas transportaram blocos gigantes, como o colosso Karakap 3, de 4,3 toneladas, para os pontos mais altos das montanhas.

A grande revelação do estudo está na relação das pedras com os antigos sistemas de gestão de água. A análise mostrou que os monumentos estão agrupados em dois níveis: cerca de 1.900 metros, onde a água era canalizada para comunidades humanas, e 2.700 metros, próximos às nascentes e geleiras.

Esse padrão confirma uma teoria sugerida já na década de 1920 por Ashkharbek Kalantar: as pedras não eram simples símbolos, mas marcadores sagrados de uma rede de irrigação pré-histórica. Em outras palavras, esses povos não apenas reverenciavam a água — eles a organizavam em um sistema espiritual e prático que conectava os vales agrícolas às montanhas nevadas.

As pedras de dragão foram erguidas entre 4200 e 4000 a.C., contemporâneas a monumentos icônicos como Stonehenge e Göbekli Tepe. O sítio de Tirinkatar, no Monte Aragats, reúne doze dessas estruturas, formando o maior conjunto conhecido até hoje.

Assim como outros santuários pré-históricos espalhados pelo mundo, os vishaps mostram que povos antigos tinham uma sofisticada visão espiritual da natureza, muito além da sobrevivência cotidiana.

Esses megálitos não pararam no tempo. Civilizações posteriores, como o Reino Urartiano, gravaram inscrições cuneiformes nas pedras. Séculos depois, comunidades cristãs medievais acrescentaram cruzes, reinterpretando o mesmo espaço como local de devoção.

Esse reaproveitamento demonstra que as pedras de dragão não foram esquecidas: elas permaneceram como centros espirituais de referência, adaptando-se às novas crenças sem perder o vínculo sagrado com a água.

A conclusão dos pesquisadores é clara: os vishaps representam um dos mais impressionantes exemplos de como cultos religiosos e esforços sociais caminham juntos. Para erguer e transportar monumentos tão pesados a altitudes extremas, comunidades inteiras precisaram se organizar, mobilizar recursos e compartilhar uma visão comum.

Essas descobertas não apenas reconstroem a história da Armênia pré-histórica, mas também nos lembram que a água sempre esteve no centro da vida humana — não apenas como recurso, mas como força sagrada, capaz de unir povos, moldar sociedades e inspirar monumentos que resistem ao tempo.

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