A produção de milho no Sul do Brasil tem enfrentado desafios crescentes, com uma significativa redução na área plantada em 2024. Essa queda, aliada ao aumento da demanda pelo cereal, tem gerado preocupação entre produtores, cooperativas e agentes públicos, especialmente pelo impacto direto na pecuária, setor vital para a economia dos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.
Com o milho sendo a principal matéria-prima para ração animal, a escassez do grão e os custos adicionais para sua obtenção ameaçam a sustentabilidade da agroindústria de proteína animal na região.
Para discutir essas questões e buscar soluções, a Secretaria de Agricultura e Pecuária (SAR) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), por meio do Centro de Socioeconomia e Planejamento Agrícola (Epagri/Cepa), promoveram um debate que reuniu especialistas e autoridades para analisar os desafios e as perspectivas da produção de milho no Sul do Brasil.
O encontro, realizado de forma online, destacou a complexidade da situação e a necessidade urgente de medidas coordenadas para enfrentar os problemas.
Atualmente, nenhum dos três estados da região Sul é autossuficiente na produção de milho. O Paraná, maior produtor da região, consegue minimizar sua dependência de importações, mas enfrenta desafios como a instabilidade climática, que afeta especialmente a segunda safra, responsável pela maior parte da produção.
Edmar Gervásio, analista de Mercado do Departamento de Economia Rural (Deral-PR), enfatizou que a volatilidade climática torna a produção de milho mais suscetível a perdas, o que aumenta a pressão sobre a oferta e a necessidade de importação de outras regiões.
No Rio Grande do Sul, a situação é agravada pela substituição das áreas de milho por soja, devido à maior rentabilidade da oleaginosa nas últimas safras. Além disso, a infestação pela cigarrinha-do-milho tem reduzido a produtividade e aumentado os custos de produção, desestimulando ainda mais os agricultores a investirem no milho.
Alencar Rugeri, assistente técnico em Culturas da Emater-RS, destacou que tanto a cigarrinha quanto as recorrentes adversidades climáticas são fatores que têm levado à diminuição da área plantada com milho no estado.
Em Santa Catarina, a demanda anual por milho gira em torno de 8,2 milhões de toneladas, enquanto a produção na safra 2023/2024 foi de apenas 2,18 milhões de toneladas, uma queda de 24% em relação à safra anterior. Haroldo Elias, analista de Socioeconomia e Desenvolvimento Rural da Epagri/Cepa, alertou para o impacto que os custos adicionais de transporte de milho de outras regiões ou países do Mercosul podem ter sobre a competitividade da agroindústria de proteína animal catarinense.
Essa situação destaca a necessidade urgente de medidas que possam garantir a sustentabilidade do setor.
A pecuária é um dos pilares da economia da região Sul do Brasil, especialmente em Santa Catarina, onde a produção de suínos, aves e bovinos de leite é altamente dependente de milho para a ração animal. Com a redução da produção local de milho e o consequente aumento dos custos para trazer o cereal de outras regiões, o setor pecuário enfrenta um risco significativo de perda de competitividade, tanto no mercado interno quanto externo.
A diminuição da área plantada com milho e a menor produção do grão têm levado a agroindústrias a buscarem alternativas para suprir a demanda por ração animal. A escassez de milho não afeta apenas a produção de ração, mas também o preço final dos produtos de origem animal, que pode subir, impactando diretamente os consumidores. Além disso, a pressão sobre os custos de produção pode reduzir as margens de lucro dos produtores, colocando em risco a viabilidade econômica de muitas propriedades rurais.
Diante desse cenário desafiador, a pesquisa e a inovação surgem como elementos cruciais para encontrar soluções que possam mitigar os impactos da redução da produção de milho na região Sul. Dirceu Leite, presidente da Epagri, destacou durante o evento o papel essencial da pesquisa agropecuária no desenvolvimento de estratégias para enfrentar os desafios impostos pela cigarrinha-do-milho e pelas adversidades climáticas. Ele mencionou o Programa Monitora Milho, que busca avaliar a incidência da praga e fornecer dados atualizados para subsidiar políticas públicas eficazes.
Além disso, a Epagri, por meio do Cepa, monitora o andamento das safras e estabelece projeções que são disponibilizadas ao público através do Observatório Agro Catarinense. Essas informações são vitais para o planejamento estratégico dos produtores e para a tomada de decisões por parte do governo e do setor privado. Leite ressaltou a importância de uma articulação coordenada entre os três estados da região Sul para enfrentar os desafios de forma integrada e eficaz.
Valdir Colatto, secretário de Estado da Agricultura e Pecuária de Santa Catarina, lembrou que o governo estadual possui programas de incentivo à produção de milho, como o Terra Boa, que busca auxiliar os agricultores e incentivar o aumento da produção do cereal. Colatto destacou também a necessidade de diversificar a produção de cereais, incluindo o cultivo de cereais de inverno para a produção de ração, como uma forma de reduzir a dependência do milho e garantir maior segurança alimentar para a pecuária.
Outro ponto fundamental levantado no debate foi a questão da infraestrutura logística, especialmente a necessidade de investimentos em ferrovias. Enori Barbieri, presidente da Câmara Setorial do Milho do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), enfatizou que, embora o Brasil seja um dos maiores produtores e exportadores de milho do mundo, a distribuição do grão dentro do país, particularmente para o Sul, é um desafio.
Ele apontou que a melhoria da infraestrutura ferroviária poderia reduzir significativamente os custos de transporte, tornando o milho mais acessível para os produtores da região e garantindo maior competitividade para a pecuária.
Arno Pandolfo, presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias de Santa Catarina (Fecoagro), também participou do debate, trazendo a perspectiva das cooperativas no enfrentamento dos desafios atuais. Pandolfo destacou a importância da cooperação entre os produtores e a necessidade de fortalecer as cadeias produtivas por meio da integração e do apoio mútuo.
As cooperativas têm um papel vital na organização dos produtores, na negociação de melhores condições de compra de insumos e na comercialização dos produtos finais, contribuindo para a sustentabilidade do setor agropecuário.
Pandolfo ressaltou ainda que as cooperativas estão buscando alternativas para suprir a demanda por milho, incluindo parcerias para importar o grão de outros países e investir em tecnologias que aumentem a produtividade das áreas plantadas. Ele destacou que, apesar das dificuldades, o setor cooperativo está comprometido em encontrar soluções que garantam a continuidade e a viabilidade da produção pecuária na região Sul.