No coração da densa e misteriosa selva de Petén, na Guatemala, três cidades maias dormiam há milênios sob o manto verdejante que tudo encobre. Los Abuelos, Petnal e Cambrayal não são apenas nomes perdidos no tempo, mas portais para um passado remoto e fascinante. Descobertas pelo dedicado Projeto Arqueológico de Uaxactun, essas cidades ecoam o ritmo das cerimônias, a harmonia dos astros e a engenhosidade urbana de um povo que sempre intrigou a humanidade.
A revelação de cada bloco de pedra, de cada escultura cerimonial, é como um sussurro antigo que atravessa as eras, convidando-nos a escutar e a compreender. Ao longo de trilhas úmidas e florestas cerradas, arqueólogos incansáveis redescobrem o esplendor de um mundo que floresceu há três milênios. O que essas cidades contam sobre seus habitantes e sua complexa relação com o cosmos? Como a arquitetura e a arte revelam as crenças e os segredos dessa civilização ancestral? Venha comigo e vamos desbravar, peça por peça, essa história que retorna à vida na exuberância selvagem da Guatemala.
Los Abuelos, a primeira dessas descobertas, é um testemunho da força simbólica e espiritual que permeava a cultura maia. No centro da cidade, duas esculturas imponentes – apelidadas carinhosamente de “o avô” e “a avó” – se erguem como guardiões de um passado sagrado. Essas figuras, esculpidas com delicadeza, sugerem a veneração dos ancestrais e a importância dos laços familiares em uma sociedade voltada para a coletividade.
A descoberta de um sepultamento humano aos pés das esculturas, ladeado por vasos, conchas e pontas de flechas, revela um ritual funerário que unia o mundo dos vivos e dos mortos em um ciclo contínuo. Essas oferendas não eram meros adornos, mas chaves espirituais que conectavam a essência da vida e da morte, um reflexo da cosmovisão maia que enxergava o universo como uma dança de forças complementares.
Outro destaque de Los Abuelos é a construção que, segundo os arqueólogos, funcionava como um observatório astronômico. Alinhada com precisão aos solstícios e equinócios, essa estrutura testemunha a habilidade dos maias em mapear os ciclos celestes. Para esse povo, as estrelas não eram apenas pontos luminosos no céu, mas guias fundamentais para a agricultura, a religião e a própria existência.
Petnal ergue-se como um símbolo de autoridade e prosperidade. A pirâmide monumental, com 33 metros de altura, domina a paisagem como um farol de pedra que atravessa os séculos. Essa estrutura não apenas impressiona pelo tamanho, mas também pela riqueza de detalhes: no topo, uma sala bem preservada exibe fragmentos de um mural pintado em tons de vermelho, branco e preto, retratando cenas que evocam a força e o dinamismo da corte maia.
Os altares em formato de sapos, presentes tanto em Petnal quanto em Los Abuelos, intrigam os estudiosos. Esses pequenos anfíbios, símbolo de fertilidade e regeneração, provavelmente desempenhavam um papel ritual poderoso. Seu uso em altares cerimoniais sugere a fusão entre a natureza e a vida espiritual dos maias, um elo que reforçava a sacralidade dos espaços públicos.
Petnal, portanto, não era apenas uma cidade monumental. Era um centro de poder onde a política, a religião e a astronomia se entrelaçavam em um mosaico de autoridade e fé. Suas construções majestosas e a presença de murais indicam uma elite governante que sabia como projetar poder e inspirar devoção.
A terceira cidade, Cambrayal, destaca-se por sua engenhosidade prática. Uma rede de canais com 57 metros de comprimento, revestida de estuque, parte do topo de um palácio e serpenteia pela cidade. Esses canais, ao contrário do que se imagina, não transportavam água, mas resíduos, funcionando como um sistema de drenagem sofisticado. Essa solução hidráulica demonstra o cuidado dos maias com a gestão urbana e o bem-estar coletivo.
Cambrayal também segue o padrão de ocupação característico dessas cidades maias: períodos de florescimento durante o Pré-clássico, abandono temporário e renascimento cultural no Clássico Tardio. Essa resiliência impressionante fala de uma civilização que, mesmo diante das adversidades, soube adaptar-se e reerguer-se, escrevendo novos capítulos em sua história milenar.
O Projeto Arqueológico de Uaxactun, responsável por essas descobertas extraordinárias, já catalogou cerca de 176 sítios maias na região. Mas Los Abuelos, Petnal e Cambrayal se destacam como as joias de sua coroa. Cada fragmento cerâmico, cada escultura, cada mural pintado é uma peça vital de um grande quebra-cabeça que nos aproxima do universo simbólico e material dos maias.
A codiretora do projeto, Dora García, expressou com precisão a importância dessas descobertas: “Cada pequena peça que conseguimos obter das escavações é fundamental, como uma peça do quebra-cabeça maior que estamos montando.” E, de fato, cada detalhe encontrado oferece não apenas respostas, mas também novas perguntas. Como essas cidades interagiam entre si? Quais rituais eram celebrados nesses espaços sagrados? Qual era a linguagem oculta que ligava as estrelas ao cotidiano dos maias?