A nova resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada nesta quarta-feira (16), desencadeou uma onda de críticas e repúdio por parte de organizações da sociedade civil e órgãos de controle.
O texto revisa diretrizes éticas e técnicas voltadas ao atendimento de pessoas com incongruência ou disforia de gênero, estabelecendo limites mais rígidos ao acesso a terapias hormonais e cirurgias para jovens trans.
A medida proíbe o uso de bloqueadores hormonais em crianças e adolescentes, condiciona o início da terapia hormonal cruzada apenas a partir dos 18 anos e limita a realização de cirurgias de redesignação de gênero até os 21 anos, caso envolvam efeitos esterilizantes.
Além disso, determina que o atendimento médico preventivo ou terapêutico deve ser feito com base no sexo biológico da pessoa, ignorando sua identidade de gênero.
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) publicou nota contundente afirmando que a nova diretriz representa um “grande retrocesso” no acesso à saúde integral da população trans, especialmente de crianças e adolescentes.
Para a entidade, a norma se insere em um contexto global de crescimento da retórica antitrans e compromete direitos básicos, como o acompanhamento psicológico e médico necessário para um desenvolvimento saudável.
“É uma decisão que desconsidera completamente a realidade vivida pelas juventudes trans, ignorando evidências científicas e os consensos internacionais sobre cuidados afirmativos, como os defendidos pela Organização Mundial da Saúde”, destacou a Antra.
A ONG Mães pela Diversidade também se posicionou em nota, expressando “surpresa e indignação” diante da medida. A organização enfatiza o impacto direto da resolução sobre famílias que lutam por ambientes seguros e acolhedores para seus filhos trans, que agora podem ver interrompido o acompanhamento médico especializado e criterioso que vinham recebendo.
A ONG Minha Criança Trans foi direta em sua crítica: “A resolução joga no lixo os direitos trans”. A entidade alerta para os impactos psicológicos gravíssimos que a medida pode gerar, como aumento nos casos de depressão, ansiedade e até suicídio entre jovens trans que não conseguem acessar os tratamentos que reconhecem sua identidade.
A repercussão levou o Ministério Público Federal (MPF) a instaurar um procedimento para avaliar a legalidade da resolução. Segundo o MPF, o caso foi aberto a partir de denúncia da ONG Mães pela Diversidade e de uma nota técnica da Antra.
O órgão demonstra preocupação com a suspensão de tratamentos essenciais, como bloqueadores de puberdade e a hormonização cruzada, que vinham sendo oferecidos de forma criteriosa por equipes especializadas.
Em coletiva de imprensa, o presidente do CFM, José Hiran Gallo, afirmou que a medida foi aprovada por unanimidade pelos 28 conselheiros presentes. O ginecologista Rafael Câmara, conselheiro e relator da resolução, alegou que as evidências sobre terapias hormonais mudam constantemente e que é natural revisar protocolos.
Segundo ele, os bloqueadores hormonais podem afetar a resistência óssea, crescimento e fertilidade, justificando a restrição.
Câmara citou ainda que países como Reino Unido, Finlândia, Suécia e Dinamarca — com sistemas de saúde robustos e políticas progressistas — também aboliram ou limitaram o uso desses medicamentos. Ele destacou que o uso de hormônios não é isento de riscos, mencionando doenças cardiovasculares, câncer, infertilidade e outros efeitos colaterais.
O CFM ainda alega que o número de crianças e adolescentes diagnosticados com disforia de gênero tem aumentado de forma preocupante, o que poderia levar a tratamentos indevidos. Para a entidade, é necessário cuidado para não confundir identidade de gênero com orientação sexual e evitar que jovens gays ou lésbicas sejam tratados como trans sem necessidade.
Além disso, o conselho cita um crescimento nos relatos de arrependimento de transição, inclusive de pessoas que passaram por procedimentos irreversíveis, como base para justificar a revisão das normas.
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