O cargueiro Morning Midas, que havia se transformado em um foco de alerta internacional desde o início de junho, finalmente afundou na tarde da última segunda-feira (23), por volta das 16h35 (horário local), em águas profundas do Pacífico Norte, a cerca de 770 km da costa do Alasca.
A embarcação, que partiu da China carregada com mais de três mil carros zero quilômetro, naufragou em uma região onde o fundo do mar atinge 5.000 metros de profundidade.
Segundo a operadora Zodiac Maritime, o incêndio persistente por semanas, somado às condições climáticas extremas, comprometeu o casco da embarcação, que acabou cedendo à pressão do mar. O caso já é tratado como um dos mais simbólicos envolvendo transporte marítimo de veículos, especialmente elétricos.
O início do drama foi registrado em 3 de junho, quando a tripulação identificou uma espessa fumaça na área dos carros elétricos. A bordo, além de 65 a 70 elétricos, havia 681 híbridos e mais de 2.300 veículos a combustão. A origem das chamas, como já suspeitavam as autoridades marítimas e ambientalistas, foi o deque inferior, onde estavam os automóveis movidos a bateria.
A tripulação, composta por 22 pessoas, foi rapidamente retirada do navio com apoio de uma embarcação mercante que transitava nas proximidades. Nenhum dos tripulantes sofreu ferimentos. No entanto, conter o fogo a bordo se mostrou impossível. Durante semanas, rebocadores especializados, como o Gretchen Dunlap e o Garth Foss, tentaram estabilizar a embarcação e conter a propagação das chamas.
A preocupação ambiental se acentuou quando veio à tona que o Morning Midas carregava cerca de 350 toneladas de gás combustível (MGO) e 1.530 toneladas de óleo de baixo teor de enxofre (VLSFO). Embora até o momento não tenham sido registradas manchas de óleo nem detritos flutuantes, o receio persiste. Rebocadores continuam posicionados na área, e uma embarcação adicional – o navio Endeavour – foi enviada para intensificar o monitoramento.
A possibilidade de vazamento de óleo em um ecossistema marinho praticamente intocado preocupa ambientalistas e órgãos internacionais, sobretudo pelo tipo de combustível transportado, que pode causar impactos de longo prazo mesmo em pequenas quantidades.
O destino da embarcação era o porto de Lázaro Cárdenas, no México. O cargueiro navegava sob bandeira da Libéria, mas era operado pela empresa britânica Zodiac Maritime e fretado pela chinesa Anji Logistics, subsidiária da SAIC Motor, conglomerado responsável por marcas como Chery e Great Wall Motor.
Informações da agência Bloomberg apontam que, entre os automóveis a bordo, havia unidades da Buick fabricadas na China, além de cerca de 140 veículos da Great Wall. A escala internacional da operação, unindo Ásia, América Latina e Europa em termos de produção, fretamento e logística, revela o tamanho e a complexidade do transporte global de veículos em tempos de transição energética.
Casos semelhantes têm se acumulado nos últimos anos, evidenciando uma tendência alarmante: incêndios em cargueiros que transportam veículos, principalmente elétricos. Em 2022, o Felicity Ace afundou com cerca de 4.000 carros de luxo, incluindo modelos Porsche, Bentley e Lamborghini, gerando prejuízos superiores a meio bilhão de dólares.
Em 2023, o Fremantle Highway registrou um incêndio de uma semana, iniciado no deque com veículos elétricos, deixando um tripulante morto. Já em 2020, o Höegh Xiamen, atracado no porto de Jacksonville (EUA), queimou por dias após um curto-circuito em uma bateria mal desconectada. A lista é longa, e os danos são cada vez mais severos – tanto humanos quanto financeiros e ambientais.
O naufrágio do Morning Midas ressoa além da perda material. Expõe falhas críticas nos protocolos de segurança, na contenção de incêndios em grandes embarcações e na logística de veículos elétricos em ambientes fechados e confinados como os porões dos cargueiros. Enquanto o setor automotivo acelera na direção da eletrificação da frota global, a indústria marítima parece ainda presa a protocolos pensados para veículos a combustão.
E isso pode custar caro. Muito caro. O caso exige uma reavaliação global das normas de transporte marítimo, especialmente quando se trata de cargas inflamáveis, como baterias de lítio. Há consenso crescente de que o transporte de veículos elétricos exige estruturas e soluções de contenção muito além das práticas atuais.
Neste episódio, felizmente, não houve vítimas, mas a ameaça ecológica permanece ativa. As autoridades americanas seguem monitorando a área com atenção redobrada, enquanto empresas envolvidas no fretamento e seguro já se mobilizam para enfrentar um processo de perdas e responsabilidades que deve se arrastar por meses, talvez anos.
Com 25 anos de experiência no jornalismo especializado, atua na produção de conteúdos de arqueologia, livros, natureza e mundo.