Os segredos eternizados em uma cápsula do tempo de 500 anos

No coração da cidade de Alkmaar, na Holanda, um achado arqueológico intrigante veio à tona em novembro, durante obras de construção de um contêiner subterrâneo. Sob o solo que guardava séculos de história, arqueólogos encontraram uma fossa de aproximadamente 500 anos.

Este antigo poço, que funcionava como banheiro e depósito de lixo entre 1450 e 1558, revelou uma série de objetos bem preservados, proporcionando uma oportunidade única de explorar a vida cotidiana do período. Entre os artefatos mais impressionantes estão um tamanco de madeira de bétula e um medidor de grãos feito de carvalho.

A descoberta foi saudada como um marco no estudo arqueológico da região. Segundo Nancy De Jong, arqueóloga responsável pela pesquisa, os objetos encontrados oferecem uma visão detalhada da cultura e dos hábitos da época. “Ambos os achados são realmente incríveis e nos proporcionam uma espécie de viagem no tempo”, afirmou em entrevista ao portal NU.nl.

O tamanco de madeira chamou atenção pela sua raridade. No contexto arqueológico da Holanda e da Bélgica, foram registrados apenas 44 tamancos encontrados até hoje, e a maioria apresentava grande desgaste devido ao uso prolongado. O exemplar recuperado em Alkmaar, no entanto, destaca-se por sua preservação e design refinado.

De acordo com De Jong, o tamanco possui características únicas que o diferenciam dos modelos tradicionais. Enquanto os tamancos normalmente apresentam um formato rústico, o encontrado em Alkmaar possui um salto duplo, conferindo-lhe um aspecto mais elegante e citadino. Mais intrigante ainda é o fato de ser confeccionado em madeira de bétula, material até então inédito para este tipo de calçado.

“Isso nos leva a questionar o contexto social e econômico do proprietário do tamanco. Ele provavelmente pertencia a alguém com um gosto refinado ou a uma classe social mais elevada”, comenta De Jong. Estudos adicionais buscarão identificar a origem do material e compreender melhor o papel dos tamancos na cultura urbana da época.

Se o tamanco trouxe pistas sobre o estilo de vida da época, o medidor de grãos elevou as expectativas dos pesquisadores a outro nível. Este instrumento, feito de carvalho, é um dos apenas cinco exemplares conhecidos na região. Até então, esses objetos eram documentados apenas por meio de gravuras e descrições históricas. “Esta é a primeira vez que obtemos um medidor em quase perfeito estado de preservação”, enfatiza a arqueóloga.

O medidor era utilizado para pesar grãos, uma prática essencial em uma economia agrícola medieval. Sua preservação permitirá a análise minuciosa de técnicas de produção e comércio do período, iluminando aspectos pouco compreendidos da economia da época.

Uma das razões que explicam a raridade desses objetos está no modelo econômico da Idade Média. Diferentemente do descarte comum nos dias atuais, os itens naquela época eram constantemente reutilizados. Roupas velhas eram transformadas em novos tecidos, metais eram derretidos para novos usos e objetos de madeira frequentemente se tornavam combustível para aquecimento.

Esse contexto destaca a importância da fossa encontrada em Alkmaar, que agiu como uma espécie de cápsula do tempo. Por razões desconhecidas, os itens não foram reutilizados e permaneceram enterrados por séculos, protegidos pelo ambiente úmido que ajudou a conservar a madeira.

Os objetos passarão por processos de conservação para evitar sua deterioração após a exposição ao ar. A restauração será conduzida com técnicas não invasivas, permitindo remontar partes quebradas e preservar ao máximo as características originais dos artefatos.

O objetivo final é tornar essas relíquias acessíveis ao público, seja por meio de exposições em museus ou de publicações que detalhem sua história e significado. “Esses itens não são apenas objetos arqueológicos; eles são narrativas tangíveis de uma época que moldou a sociedade como a conhecemos hoje”, conclui De Jong.