Vacina contra gripe aviária H5N8 desenvolvida pelo Instituto Butantan inicia testes clínicos com autorização da Anvisa e previsão de conclusão em 2026
O Instituto Butantan, vinculado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, obteve autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar os testes clínicos da primeira vacina brasileira contra a gripe aviária causada pelo vírus H5N8.
A pesquisa agora depende da aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para avançar.
A vacina, chamada influenza monovalente A (H5N8), será testada em duas doses com um intervalo de 21 dias entre as aplicações. O público-alvo da primeira fase inclui adultos entre 18 e 59 anos. Em uma etapa posterior, os testes envolverão pessoas com mais de 60 anos.
Os testes pré-clínicos, conduzidos em animais como camundongos e coelhos, demonstraram resultados favoráveis quanto à segurança e à capacidade de estimular uma resposta imune.
A previsão é de que aproximadamente 700 voluntários participem das fases 1 e 2 do estudo, que será realizado em cinco centros de pesquisa distribuídos nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. O acompanhamento dos participantes está programado para ser concluído até 2026.
O diretor do Butantan, Esper Kallás, explicou que há uma grande variedade de vírus de influenza aviária, e alguns deles apresentam potencial para causar doenças mais graves, mesmo sendo originalmente restritos às aves. Alguns desses vírus já mostraram capacidade de infectar mamíferos e, com o tempo, podem sofrer adaptações que permitam a transmissão entre humanos.
Kallás destacou que desde 1996 o subtipo H5 já foi identificado em casos isolados de infecção em pessoas. Mais recentemente, o vírus tem apresentado maior capacidade de adaptação, sendo encontrado em mamíferos aquáticos e, posteriormente, também em mamíferos terrestres. Segundo ele, esse comportamento acende um sinal de alerta para instituições de saúde em todo o mundo, incluindo o Brasil.
Desde o início de 2023, o Butantan vem desenvolvendo uma vacina com o objetivo de se antecipar a esse possível cenário. A proposta é avaliar se o imunizante é seguro, bem tolerado e capaz de gerar proteção. Caso o vírus atinja a capacidade de transmissão entre pessoas, o instituto já terá dados e estrutura preparados para responder com agilidade.
A diretora médica do Butantan, Fernanda Boulos, reforçou que o principal risco associado à gripe aviária é a possibilidade de transmissão direta entre seres humanos. Até agora, o vírus não possui a capacidade de se adaptar ao sistema respiratório humano, mas, por se tratar de um vírus altamente mutável, há chance de isso ocorrer no futuro.
A vacina em teste é feita com vírus inativado, o que significa que não possui capacidade de provocar a doença. Com a autorização ética final, os centros de pesquisa poderão iniciar o recrutamento de voluntários para avaliar a segurança do imunizante e sua capacidade de estimular resposta imunológica.
A Anvisa informou que os subtipos H5N1, H5N8 e H7N9 são motivo de atenção por apresentarem alta taxa de letalidade e forte capacidade de mutação. Desde 2021, surtos desses vírus causaram a morte de cerca de 300 milhões de aves e afetaram 315 espécies silvestres em 79 países.
Nos seres humanos, embora os casos ainda sejam raros, a gravidade é elevada. Entre 2003 e 2024, foram registrados 954 casos em 24 países, com 464 mortes, o que representa uma taxa de letalidade de 48,6%. Essa proporção é significativamente maior do que a observada durante a pandemia de covid-19.
No Brasil, até o momento, não foram identificados casos de infecção humana por influenza aviária. Segundo o Ministério da Saúde, o risco é considerado baixo. A transmissão não ocorre pelo consumo de carne ou ovos devidamente cozidos, mas sim pelo contato direto com aves infectadas ou com ambientes contaminados. Por isso, é recomendável evitar o contato com aves mortas ou doentes.
Em 2024, foi registrada uma infecção em aves comerciais em uma granja no município de Montenegro, no Rio Grande do Sul. No entanto, após 28 dias sem novos casos, o Brasil retomou o status de país livre da influenza aviária. O comunicado foi enviado oficialmente à Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) pelo Ministério da Agricultura e Pecuária.
A transmissão do vírus pode ocorrer por meio da inalação de partículas virais presentes no ar ou pelo contato com superfícies contaminadas, seguido de contato com os olhos, nariz ou boca. A maioria dos casos humanos relatados envolveu exposição direta e sem proteção a aves doentes.
Para se preparar diante de possíveis emergências, o Ministério da Saúde implementou, em dezembro de 2024, o Plano de Contingência Nacional do Setor Saúde para Influenza Aviária. O documento define estratégias para vigilância, diagnóstico laboratorial, atendimento e comunicação de riscos.
Além disso, a pasta publicou o Guia de Vigilância da Influenza Aviária em Humanos, com orientações técnicas para identificação, notificação e manejo de casos suspeitos. O documento também inclui procedimentos laboratoriais e orientações clínicas.
O Ministério da Saúde informou que o país conta com infraestrutura para diagnosticar casos suspeitos por meio do SUS, mantém estoques do antiviral oseltamivir — utilizado no tratamento de diversas formas de influenza — e dispõe de tecnologia para produção de vacinas, caso seja necessário ampliar a resposta à doença.
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Estudante da área de saúde, Crysne Caroline Bresolin Basquera é especialista em produção de conteúdo local e regional, saúde, redes sociais e governos.