Buracos negros supermassivos são, em geral, estruturas silenciosas e estáveis no centro das galáxias, como sentinelas cósmicas adormecidas. Mas um deles acaba de sacudir o universo — literalmente. Localizado a 300 milhões de anos-luz da Terra, no núcleo da galáxia SDSS1335+0728, esse colosso cósmico despertou de sua inércia e protagonizou um fenômeno jamais documentado ao vivo: uma erupção quase periódica (QPE), com características que estão deixando os astrônomos de cabelo em pé.
Essa revelação foi publicada na revista Nature Astronomy na sexta-feira, 11, e está abrindo novos caminhos para compreender como esses gigantes acordam de seu estado dormente.
O despertar de um gigante cósmico
A primeira pista de que algo estranho estava acontecendo surgiu em 2019. Observatórios espalhados pela Terra e pelo espaço começaram a detectar flashes luminosos e explosões de raios X que vinham do centro da galáxia SDSS1335+0728. Até então, a região era tranquila como uma noite sem estrelas.
Esses sinais levaram os cientistas a colocar os olhos — ou melhor, os telescópios — sobre o buraco negro. Em 2024, ficou claro: o buraco negro estava ativo. E não era uma atividade qualquer. O fenômeno era tão intenso e incomum que o núcleo da galáxia foi oficialmente classificado como um Núcleo Galáctico Ativo (AGN). Ganhou até apelido: Ansky.
“É a primeira vez que conseguimos assistir ao vivo o despertar de um buraco negro massivo”, comentou Lorena Hernández García, do Instituto de Astrofísica do Milênio (MAS) e da Universidade de Valparaíso, no Chile, em nota oficial divulgada em junho de 2024.
Mas o que exatamente está acontecendo por lá?
A atividade de Ansky se encaixa num fenômeno que os astrônomos chamam de erupção quase periódica (QPE). Isso ocorre quando o buraco negro, por algum motivo ainda não totalmente compreendido, começa a liberar rajadas de energia em intervalos regulares. E aqui está a cereja do bolo: é a primeira vez que cientistas testemunham uma QPE desse tipo em tempo real.
Essas erupções estão permitindo que pesquisadores façam medições inéditas, como a quantidade exata de energia emitida nesses flashes, algo crucial para entender o comportamento desses monstros espaciais quando “acordam”.
Por que um buraco negro acorda?
A teoria mais aceita atualmente aponta que os buracos negros entram em atividade quando algo perturba o chamado disco de acreção — uma espécie de redemoinho de gás, poeira e matéria que orbita o buraco negro. Esse material nem sempre é engolido imediatamente. Às vezes, ele apenas gira ao redor, como água num ralo cósmico.
O estopim para a atividade pode ser a aproximação de um objeto celestial — talvez uma estrela compacta ou até um buraco negro menor — que passa pelo disco de acreção e gera choques violentos. É como jogar uma pedra em um lago calmo: as ondas se espalham e geram um espetáculo de luz.
Curiosamente, não há sinais de que Ansky tenha devorado uma estrela recentemente, o que levanta novas possibilidades. Talvez seja um corpo celeste pequeno, mas persistente, cruzando repetidamente a região e provocando essas explosões a cada encontro.
Explosões fora do padrão
“Essas erupções de raios X são cerca de dez vezes mais longas e dez vezes mais intensas do que as que costumamos ver em QPEs”, explica Joheen Chakraborty, pesquisador do MIT envolvido no estudo. Essa anomalia energética torna Ansky um caso único e extremamente valioso para a ciência.
Os pulsos emitidos ocorrem em uma cadência impressionante: aproximadamente a cada 4,5 dias. Isso marca a maior frequência de erupções registrada até hoje para esse tipo de fenômeno.
E agora?
Com um fenômeno tão raro em mãos, os cientistas pretendem continuar monitorando Ansky de perto. O comportamento do buraco negro poderá ajudar a responder perguntas fundamentais: o que realmente dispara uma QPE? Como o disco de acreção se comporta nesses momentos? E será que outros buracos negros adormecidos também podem acordar da mesma forma?
O universo ainda tem muitos segredos guardados, mas, com eventos como esse, estamos cada vez mais perto de decifrá-los. E quem diria que um “ronco” cósmico como o de Ansky poderia iluminar tanto o nosso conhecimento sobre as engrenagens mais obscuras do cosmos?
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