O Brasil permanece como o país com maior impacto global da doença de Chagas, mesmo após avanços significativos no controle da enfermidade. De acordo com o estudo Global Burden of Disease 2023 (GBD), publicado na revista The Lancet Infectious Diseases, o país registrou 68% de todas as mortes provocadas pela doença no mundo em 2023. A estimativa reforça que a Chagas segue como um desafio de saúde pública associado à desigualdade social e ao acesso limitado ao diagnóstico.
A pesquisa mostra que 10,5 milhões de pessoas convivem com a doença no planeta, sendo cerca de 4,1 milhões somente no Brasil. Apesar do número elevado, há sinais de melhora: desde 1990, a quantidade de brasileiros infectados caiu 16%, e os óbitos tiveram redução de 38,9%. Quando analisados por critérios de idade, os índices são ainda melhores: queda de 61,6% na prevalência e de 78,3% na taxa de mortalidade.
Especialistas destacam que a diminuição está ligada a mudanças socioeconômicas e a políticas de combate ao inseto transmissor, o barbeiro. A testagem obrigatória em bancos de sangue também ajudou a interromper novas transmissões. Mesmo assim, 5.700 pessoas morreram da doença no Brasil em 2023, o maior número absoluto do mundo.
Uma doença que demora a se manifestar
Segundo o cardiologista Bruno Nascimento, pesquisador da UFMG e um dos autores do estudo, muitas das mortes atuais são consequência de infecções antigas, especialmente das décadas de 1970 e 1980, quando o risco era maior em áreas rurais.
Como a doença evolui lentamente, as complicações cardíacas costumam surgir após muitos anos, exigindo cuidados de alta complexidade no SUS. “Hoje a Chagas é uma doença que acompanha o envelhecimento. Vemos maior prevalência entre pessoas de 50 a 65 anos”, afirma Nascimento.
Desafios ainda persistem
Mesmo com avanços, três barreiras principais continuam dificultando o controle da doença no país:
• diagnóstico precoce insuficiente em áreas endêmicas
• acesso limitado a exames essenciais, como ecocardiograma, no interior
• distribuição desigual de tratamentos especializados, mesmo oferecidos pelo SUS
As regiões mais afetadas seguem concentradas no norte e noroeste de Minas Gerais, em áreas rurais da Bahia e em localidades do Pará, onde há transmissão por alimentos contaminados, como açaí.
Expansão global impulsionada pela migração
O GBD 2023 também identificou crescimento da doença em países que antes não registravam transmissão. Estados Unidos, Espanha, Itália e Suíça tiveram aumento superior a 50% em três décadas, reflexo de movimentos migratórios de latino-americanos.
Em setembro, um relatório dos CDC classificou a doença de Chagas como potencialmente endêmica nos EUA, após registros confirmados em ao menos oito estados.
Para os pesquisadores, muitos países ainda não incorporaram a triagem para grupos vulneráveis — algo crucial para barrar mortes evitáveis. “A doença mostra quem a sociedade deixou para trás”, resume Nascimento.

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