No coração da tranquila vila de Aquileia, no norte da Itália, uma descoberta arqueológica está lançando luz sobre um capítulo fascinante da história cristã e bizantina. Uma equipe de pesquisadores do Instituto Arqueológico Austríaco (ÖAW) desenterrou as ruínas de uma basílica cristã primitiva, construída durante o período do imperador Justiniano I, no século VI. Localizada perto de uma antiga estrada que conectava Roma e Milão, esta igreja remonta ao auge do Império Bizantino e reflete os esforços de Justiniano para restaurar a glória do Império Romano.
Embora Aquileia seja hoje uma vila modesta, há 1.500 anos era uma das cidades mais importantes da Itália. A descoberta da basílica não só destaca a relevância histórica da região, mas também revela a relação intrínseca entre política, religião e arquitetura no mundo antigo. Esta estrutura monumental é um testemunho dos esforços bizantinos para reconquistar a Alta Itália e reafirmar o catolicismo em territórios disputados pelos godos.
A descoberta da basílica bizantina em Aquileia
A basílica encontrada em Aquileia é a primeira estrutura em grande escala descoberta na região após décadas de escavações. Segundo o arqueólogo Stefan Groh, a igreja foi construída no século IV, mas sofreu uma expansão significativa sob o reinado de Justiniano I, por volta de 550 d.C. O edifício apresentava três absides e uma orientação voltada para o sudeste, conectando simbolicamente Aquileia a Constantinopla, capital do Império Bizantino, e Jerusalém, centro do cristianismo.
A arquitetura da basílica exibe paralelos marcantes com outras construções bizantinas do Oriente, como as encontradas no Egito, Turquia e nos Bálcãs. Isso sugere que Justiniano seguiu um plano de construção unificado, refletindo tanto o poder imperial quanto a expansão do cristianismo ortodoxo. A descoberta ressalta a importância de Aquileia como um elo entre o Oriente e o Ocidente no período bizantino.
Justiniano I e o programa de construção monumental
Justiniano I, imperador do Império Bizantino de 527 a 565, é conhecido por suas ambiciosas reformas políticas, militares e arquitetônicas. Durante seu reinado, ele lançou uma vasta campanha de construção para reafirmar o poder de Constantinopla e consolidar o cristianismo. A basílica de Aquileia faz parte desse contexto histórico, simbolizando tanto a reconquista territorial quanto o fortalecimento da fé católica em regiões que haviam sido influenciadas pelos godos arianos.
O programa arquitetônico de Justiniano incluiu construções icônicas como a Hagia Sophia, em Constantinopla, mas também igrejas em áreas remotas do Império. A basílica de Aquileia, com suas características bizantinas e localização estratégica, destaca-se como um exemplo do impacto dessas obras na Alta Itália. A estrutura não apenas restaurava a fé católica, mas também funcionava como um símbolo político, reforçando a autoridade bizantina em territórios recentemente recuperados.
A importância histórica de Aquileia
Fundada em 181 a.C. como um acampamento militar romano, Aquileia tornou-se uma cidade próspera, com uma população que ultrapassava 100 mil habitantes em seu auge. Sua localização estratégica, próxima ao Mar Adriático e a importantes rotas comerciais, tornou-a um centro vital para o Império Romano. No entanto, a cidade enfrentou desafios significativos após o colapso do Império Romano do Ocidente no século V.
Em 452, Aquileia foi devastada por Átila, o Huno, marcando o início de seu declínio. Posteriormente, a região caiu sob o controle dos ostrogodos, antes de ser reconquistada por Justiniano I durante suas campanhas militares na Itália. A basílica descoberta reflete esse período tumultuado, quando Aquileia serviu como um bastião do cristianismo católico em meio à luta pelo controle da península italiana.
Religião e política no mundo bizantino
A construção da basílica em Aquileia exemplifica a interseção entre religião e política no período bizantino. Como um dos principais defensores do cristianismo ortodoxo, Justiniano usou igrejas para consolidar seu poder e promover a unidade religiosa em seu império. A orientação da basílica em direção a Constantinopla e Jerusalém reforça essa conexão simbólica com os centros do poder cristão.
Além disso, a basílica representava um presente de Justiniano para o povo de Aquileia, demonstrando sua capacidade de restaurar a ordem e a fé católica em uma região anteriormente dominada pelos arianos. A arquitetura da igreja também servia como um lembrete visível do controle bizantino, destacando a habilidade do império de integrar territórios ocidentais em sua esfera de influência.
Legado arqueológico e cultural
A descoberta da basílica em Aquileia oferece novos insights sobre o papel da cidade no mundo romano e bizantino. Como Patrimônio Mundial da UNESCO, Aquileia é reconhecida por sua rica história e por ser uma das últimas grandes cidades romanas que ainda não foi completamente escavada. A nova basílica, juntamente com a Basilica di Santa Maria Assunta, ajuda a reconstruir a história da região e a compreender como política, religião e cultura interagiam na Alta Itália.
Curiosamente, a igreja episcopal de Teurnia, localizada na Áustria, exibe um plano arquitetônico semelhante ao da basílica de Aquileia. Isso sugere que as práticas de construção bizantinas se espalharam por regiões distantes, irradiando a influência cultural e política de Constantinopla. A descoberta também ressalta a resiliência de Aquileia, que, apesar das invasões e destruições, continuou a desempenhar um papel importante na história cristã.