A cobertura e o uso da terra no Brasil têm sido profundamente alterados pela ação humana nas últimas décadas. Um recente mapeamento divulgado pela MapBiomas, que analisa dados de 1985 a 2023, revela que o país perdeu 33% de suas áreas naturais, incluindo vegetação nativa, superfícies de água e áreas naturais não vegetadas, como praias e dunas.
Essa mudança drástica não apenas afeta a biodiversidade, mas também aumenta significativamente os riscos climáticos, uma vez que a perda de vegetação nativa compromete a capacidade dos biomas brasileiros de regular o clima regional e mitigar os efeitos de eventos climáticos extremos.
De acordo com o estudo da MapBiomas, o Brasil perdeu 110 milhões de hectares de áreas naturais nos últimos 39 anos, o que equivale a 13% do território do país. Esse saldo negativo é um reflexo das mudanças provocadas pelo desmatamento, expansão agrícola e outras atividades humanas que têm transformado as paisagens naturais. Além disso, outros 20% das áreas já haviam sido modificados antes do período estudado, totalizando uma perda significativa de 33% das áreas naturais brasileiras.
A vegetação nativa desempenha um papel crucial na manutenção do equilíbrio climático. Como explica o coordenador geral da MapBiomas, Tasso Azevedo, a remoção dessas áreas impacta negativamente a dinâmica climática regional. Sem a proteção proporcionada pelas florestas e outras vegetações naturais, regiões inteiras ficam mais vulneráveis a secas, enchentes e outros desastres ambientais.
Biomas Brasileiros em risco
O estudo da MapBiomas detalha a perda de vegetação nativa em diferentes biomas brasileiros, revelando um cenário alarmante:
- Amazônia: A maior floresta tropical do mundo perdeu 55 milhões de hectares de vegetação nativa, representando uma significativa redução de sua capacidade de absorver dióxido de carbono e regular o clima.
- Cerrado: Com 38 milhões de hectares suprimidos, o Cerrado, conhecido como a savana brasileira, sofreu uma das perdas mais acentuadas em termos proporcionais, o que compromete sua biodiversidade única.
- Caatinga: A região semiárida do Nordeste perdeu 8,6 milhões de hectares, o que agrava a vulnerabilidade das populações locais a secas e outras condições climáticas extremas.
- Pampa: O bioma, localizado no sul do país, teve uma redução de 3,3 milhões de hectares, comprometendo ecossistemas de pastagens naturais e a vida selvagem que depende delas.
- Pantanal: O bioma pantaneiro viu uma redução dramática na sua superfície de água, que passou de 21% em 1985 para apenas 4% em 2023, impactando severamente a fauna e a flora locais.
Eduardo Vélez Martin, pesquisador da MapBiomas, observa que o ritmo de perda de vegetação nativa tem se acelerado em alguns biomas, como o Cerrado e o Pampa. A taxa de perda nesses biomas foi de cerca de 27% a 28% em comparação com 1985, refletindo uma tendência preocupante de mudanças rápidas e contínuas que dificultam a recuperação dessas áreas.
Por outro lado, o Pantanal, apesar da perda significativa de superfície de água, não sofreu a mesma velocidade de perda de vegetação nativa, o que sugere variações na dinâmica de uso da terra entre os diferentes biomas brasileiros. Essas diferenças são fundamentais para entender os impactos específicos em cada região e direcionar políticas públicas mais eficazes.
As áreas naturais em propriedades privadas foram as mais impactadas pela ação humana, com uma perda de 28% nos últimos 39 anos. De um total de 281 milhões de hectares convertidos pela atividade humana até 2023, 60% estão em propriedades privadas. A expansão agrícola foi uma das principais responsáveis, com um aumento de 228% nas áreas convertidas para a agricultura e 76% para pastagem desde 1985.
Essa mudança no uso da terra em propriedades privadas tem profundas implicações para a conservação ambiental. A falta de regulamentação eficaz e incentivos para práticas sustentáveis em propriedades privadas contribui para a degradação dos biomas e a perda de serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação do ciclo da água e a manutenção da biodiversidade.
O estudo da MapBiomas também revela que o tipo de terreno influenciou a taxa de perda de vegetação nativa, tanto em áreas rurais quanto urbanas. Em zonas rurais, terras mais planas (com inclinação de 0 a 3%) foram as mais afetadas, perdendo 20% de sua cobertura nativa. Já nas zonas urbanas, as áreas de encostas (com inclinação superior a 30%) sofreram uma redução de vegetação nativa de 3,3% ao ano.
Esses dados são particularmente relevantes para o planejamento urbano e rural, pois a topografia do terreno pode influenciar processos como erosão, deslizamentos e a capacidade do solo de absorver água. A perda de vegetação em áreas inclinadas aumenta os riscos de desastres naturais, especialmente em um contexto de mudanças climáticas.
Bárbara Costa, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e da MapBiomas, ressalta que a informação sobre a declividade do terreno é crucial para entender os processos erosivos e outros riscos ambientais. Ela destaca a importância de considerar o tipo de terreno ao desenvolver políticas de zoneamento e conservação, especialmente em áreas vulneráveis a desastres naturais.
Apesar do cenário preocupante, o estudo da MapBiomas também destaca iniciativas de recuperação da vegetação nativa a partir de 2008, após a regulamentação do Código Florestal. A vegetação secundária, que inclui áreas que foram desmatadas ou queimadas severamente, mas que depois se regeneraram, é agora classificada como floresta e incluída na área nativa.
Esses esforços de recuperação são cruciais para mitigar os impactos negativos das mudanças no uso da terra e para restaurar a funcionalidade dos ecossistemas. No entanto, a escala e a velocidade da perda de áreas naturais exigem uma abordagem mais abrangente e coordenada para a conservação e recuperação ambiental.