Nos últimos anos, a região amazônica tem sofrido eventos climáticos extremos que trazem à tona a vulnerabilidade dos ecossistemas e das comunidades locais.
Pesquisadores do Instituto Mamirauá, em Tefé, no Amazonas, têm monitorado o aquecimento das águas dos lagos da Amazônia e identificaram um aumento alarmante na temperatura da superfície da água.
Esse fenômeno, impulsionado pelas mudanças climáticas, tem causado impactos devastadores, incluindo a morte de dezenas de botos e peixes.
Por meio da análise de dados de temperatura da superfície da água obtidos por satélites, os pesquisadores do Instituto Mamirauá, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), constataram uma tendência de aumento de 0,6º C por década em 25 lagos da Amazônia central.
Ayan Fleischmann, coordenador do estudo, afirmou que desde 1990, todos os lagos analisados apresentaram uma tendência significativa de aquecimento, um aumento muito expressivo e preocupante para a região.
“O aquecimento das águas amazônicas é generalizado. Desde 1990, observamos uma tendência média de aquecimento de 0,6º C por década dos lagos amazônicos. É um aumento muito expressivo. Não houve um lago que não apresentasse uma tendência significativa. Todos estão aquecendo,” explicou Fleischmann.
Em 2023, durante uma seca extrema, a temperatura da água do lago Tefé atingiu mais de 40º C, resultando na morte de 209 botos em um mês, a maior parte deles botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e alguns tucuxi (Sotalia fluviatilis). Este evento catastrófico foi um alerta para os cientistas e a comunidade local sobre os perigos das mudanças climáticas.
“Especialistas da área de mamíferos aquáticos comentam que, se a gente encontra três carcaças de botos em algumas semanas, já é um alerta vermelho. Agora, 70 animais mortos em um dia (como aconteceu em 28 de setembro de 2023), é uma tragédia,” relatou Fleischmann.
A Operação Emergência Botos Tefé foi desencadeada para investigar a causa da morte dos botos. A conclusão foi que a hipertermia, causada por uma combinação catastrófica de fatores, foi a principal responsável. A ausência de nuvens, a radiação solar intensa e a água rasa e turva do lago Tefé criaram um ambiente letal para os botos.
As temperaturas extremas observadas na superfície do lago Tefé são incomuns e representam um grande risco para a fauna aquática. Normalmente, a temperatura da água diminui significativamente abaixo de 30 centímetros da superfície. No entanto, durante a seca de 2023, a temperatura da superfície permaneceu no patamar de 40º C, sem refúgio térmico para os animais.
“Medimos 40º C, 41º C em um a dois metros de profundidade. Isso é muita coisa,” afirmou Fleischmann. “Os botos que ficaram ali infelizmente vieram a óbito. E não só a temperatura foi extrema, mas a variação diária também. Chegou a ter 13º C de variação da temperatura ao longo do dia.”
Essa variação extrema de temperatura, combinada com o calor intenso e a pouca profundidade do lago, causou um estresse térmico significativo nos animais, levando à sua morte.
Após o registro do pico de temperatura no lago Tefé, os pesquisadores estabeleceram uma rede de monitoramento emergencial para medir a temperatura da água em diversos lagos da Amazônia central. Os resultados indicaram que mais da metade dos dez lagos incluídos no mapeamento registraram temperaturas superiores a 37º C, comprovando o aquecimento generalizado.
“Houve um aquecimento generalizado (durante o período da seca de 2023) e isso foi comprovado depois, quando olhamos para os dados de satélite,” afirmou Fleischmann.
O aquecimento das águas da Amazônia representa um risco real para os ecossistemas aquáticos e para as comunidades ribeirinhas que dependem dos rios para transporte e acesso a serviços essenciais. Fleischmann alertou que eventos climáticos extremos tendem a ocorrer com maior frequência e intensidade, necessitando de programas urgentes de adaptação.
Entre as medidas de adaptação necessárias, destacam-se a construção de cisternas para a captação de água da chuva e de poços mais profundos para as comunidades em terra firme. Além disso, é essencial distribuir kits de tratamento emergencial da água e ampliar a cobertura de tratamento de esgoto na região.
“Não é porque estamos na beira do maior rio do mundo que o acesso à água de qualidade para o consumo é garantido,” ponderou Fleischmann. “As pessoas não tinham água da chuva para beber durante a seca porque não tinham capacidade de armazenar. Elas tiveram de tomar água direto do rio, que estava extremamente barrenta e imprópria para o consumo.”
Segundo cálculos dos pesquisadores, mesmo durante a seca de 2023, seria possível armazenar água de chuva em volume suficiente para atender às necessidades básicas de uma família com cinco integrantes se houvesse cisternas e poços disponíveis. Em agosto de 2023, o mês mais seco no médio Solimões, o volume pluvial na região chegou a 50 milímetros, o que poderia gerar dois mil litros de água se armazenado adequadamente.