Nomeação de papa americano reacende teorias sobre Apocalipse 13 e o fim dos tempos

A escolha do americano Robert Francis Prevost como novo líder da Igreja Católica, anunciada nesta quinta-feira (8), reacendeu nas redes sociais uma onda de teorias apocalípticas baseadas em passagens do capítulo 13 do livro bíblico do Apocalipse. Usuários passaram a sugerir, com entusiasmo conspiratório, que a antiga “profecia do fim dos tempos” estaria prestes a se cumprir.

Uma publicação no X (antigo Twitter) chegou a cravar: “Profecia de Apocalipse 13 se cumprindo”. Mas o que realmente diz esse trecho bíblico e por que ele costuma emergir em momentos de grande comoção religiosa?

O que diz Apocalipse 13?

Escrito por João no século I d.C., o capítulo 13 do Apocalipse compõe o Novo Testamento e é carregado de símbolos e metáforas. Nele, são descritas duas figuras monstruosas: uma besta que emerge do mar e outra que surge da terra. O texto atribui à primeira besta características animalescas e poderosas, recebidas do próprio dragão:

📖 “E a besta que vi era semelhante ao leopardo, e os seus pés como os de urso, e a sua boca como a boca de leão; e o dragão deu-lhe o seu poder, e o seu trono, e grande poderio.” — Apocalipse 13:2

É nesse mesmo capítulo que aparece o famoso “número da besta”, o 666, frequentemente associado ao mal ou ao anticristo:

📖 “Aquele que tem entendimento, calcule o número da besta; porque é o número de um homem, e o seu número é 666.” — Apocalipse 13:18

De onde vem a ideia do anticristo?

Segundo o pastor e pesquisador Kenner Terra, doutor em Ciências da Religião e professor da Fiurj, o capítulo 13 tornou-se referência recorrente para o conceito do anticristo por descrever uma figura com atributos de poder político e outra com conotações religiosas, conhecida como o falso profeta.

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“Essa narrativa é interpretada como a união de forças políticas e religiosas em um projeto autoritário, opressor, que simboliza o mal absoluto. O texto, portanto, não se trata de previsão, mas de crítica simbólica,” afirma o especialista.

O pastor também esclarece que João, o autor do Apocalipse, inspirou-se no livro de Daniel, do Antigo Testamento, que já apresentava bestas simbólicas — como urso, leão e leopardo — para criticar impérios que perseguiam o povo de Deus.

Qual a ligação com os Estados Unidos e o novo papa?

A nomeação do papa americano intensificou especulações entre grupos conspiracionistas. A escolha do nome Leão XIV por Prevost foi rapidamente conectada ao trecho do Apocalipse que menciona a “boca de leão”. Soma-se a isso o fato de ele suceder simbolicamente o papa Leão XIII — o número 13, aliás, que é também o capítulo mais citado nas profecias apocalípticas.

Essas coincidências alimentaram teorias de que o novo pontífice faria parte da suposta união entre a besta do mar (poder político) e a da terra (poder religioso), promovendo o fim dos tempos, como sugerido em obras ficcionais como Deixados para Trás, que retrata o arrebatamento cristão e o domínio do anticristo sobre o mundo.

“É exatamente assim que funcionam as teorias da conspiração. Pegam símbolos desconectados, criam uma narrativa convincente na aparência e vendem isso como verdade absoluta. São perigosas porque alimentam medos infundados e afastam as pessoas do sentido histórico e simbólico dos textos,” alerta Kenner Terra.

Apocalipse 13

O que Apocalipse 13 realmente representa?

O Apocalipse, longe de ser um roteiro sobrenatural sobre o futuro, é, na visão acadêmica e teológica, uma crítica velada ao Império Romano. João, vivendo sob a perseguição dos cristãos, usou imagens fortes e monstros para denunciar o poder absoluto do imperador Nero.

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“João usava imagens conhecidas do seu tempo para construir um discurso de resistência. A besta representa esse poder tirânico que oprime os justos. O número 666, por exemplo, é um código associado a Nero César quando transliterado para o hebraico,” explica o teólogo.

Essa interpretação contextual desfaz o caráter premonitório literal atribuído por setores religiosos fundamentalistas. O texto apocalíptico, portanto, revela mais sobre o tempo em que foi escrito do que sobre o futuro da humanidade.

O Apocalipse e o fascínio pelo caos

O livro do Apocalipse ganhou fama como “livro da revelação” e, ao longo dos séculos, foi reinterpretado inúmeras vezes para tentar dar sentido a tragédias e colapsos — da peste negra ao desastre nuclear de Chernobyl, passando pelas mudanças climáticas atuais.

Essa constante reatualização do Apocalipse na cultura popular mostra não apenas o poder simbólico da narrativa bíblica, mas também o quanto o ser humano é atraído por histórias de fim do mundo.

Ainda assim, é importante discernir entre simbolismo teológico e alarmismo infundado. Associar a figura de um novo papa — americano ou não — a uma profecia catastrófica revela mais sobre os medos e mitos contemporâneos do que sobre o conteúdo real das Escrituras.

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