Se você, leitor desta matéria, tivesse 100 anos de idade, que lembranças contaria de sua existência?
Alguém dirá que nenhuma, afinal nessa idade não lembrar-se-á de mais nada. Mas, dizem alguns que, quanto mais velho está, suas recordações mais tenras vêm à tona, como brincando ainda bebe na cozinha com a mãe falando contigo, banhando-se em um rio gelado com os seus irmãos. São evidências que sua memória lhe apresenta que sua vida em muitos momentos valeu a pena.
Essa percepção ficou nítida na entrevista com Irene Pavan Ceriolli, de 98 anos, moradora do município de Guarujá do Sul. Ela esqueceu-se de muitas coisas de sua vida adulta, mas recorda nitidamente de momentos de sua infância, da convivência de seus pais e irmãos.
A entrevista com Irene e sua filha, Eleni Terezinha Ceriolli, conhecida carinhosamente como “Nega”, de 57 anos, foi rica em detalhes de um tempo onde a vida era feita de muito trabalho na roça, de dificuldades e superações.
Essa entrevista nos leva a conhecer não apenas a história de Irene, mas também a de quatro gerações de uma família unida e dedicada. Irene mora com sua filha Eleni, que com a ajuda da irmã Irone, atuam nos cuidados da idosa, que depende de auxílio para questões básicas, como tomar banho e higiene pessoal.
“A gente preza pela família, então a gente cuida. Não é fácil, nos últimos anos eu praticamente vivo para cuidar da mãe. Mas ela nos criou e cuidou de nós, então é justo retribuirmos. Eu não concordo quando colocam a mãe em asilos, sozinha, longe da sua família”, comentou Eleni.
Diante da sua questão de saúde, Irene não consegue mais frequentar a igreja, mas recebe visitas dos religiosos para orações, inclusive recebe a comunhão.
Aos 98 anos, Irene desfruta de uma saúde surpreendente. Ela só não consegue mais caminhar, mas sua saúde está em perfeitas condições, tanto física quanto mental. Ela passa seus dias assistindo TV, brincando com suas bisnetas, recebendo visitas de filhos e irmãos, e mantendo conversas animadas. Suas bisnetas Saiori e Donatela dos Santos são fontes de alegria e energia em sua vida.
Durante a conversa, a idosa recordou momentos da sua infância, quando estava com seu pai e irmãos trabalhando construção de uma cerca de pedra, na propriedade que morava, na linha Vitória, no interior do Rio Grande do Sul.
“A gente estava trabalhando na construção de uma taipa de pedra, quando passou um avião. Meu pai gritou que o mundo ia acabar. Eu comecei a chorar então falei pro meu pai, vamos pra casa, pra que continuar trabalhando se o mundo vai acabar”, recordou ela.
Irene relembrou os tempos em que trabalhava na roça, plantando milho, feijão, batata e mandioca. Ela até levava seu bebê, para o campo e o deixava descansar em um cesto de taquara, embaixo de um pé de erva-mate.
“A gente trabalhava muito na roça. Os filhos menores ficavam em um cesto de taquara, enquanto os maiorzinhos ajudavam a capinar, plantar e fazer os serviços da roça. Na época que chegamos do Rio Grande, e fizemos nossa casa na linha Maria Preta, no interior de Dionísio Cerqueira, tudo era mato, não tinha nada”, contou a anciã.
Irene tem um legado familiar de seis filhos e filhas, 17 netos e netas, 18 bisnetos e bisnetas e um tataraneto. Em 5 de julho de 2024 ela completa 99 anos e se estiver bem, deverá comemorar com toda essa turma, que compõe seu núcleo familiar.