Uma recente descoberta arqueológica em Cartagena, Espanha, trouxe à luz um tesouro culinário que data do século VI. Uma ânfora bizantina encontrada no Cerro del Molinete revelou fragmentos de uma variante tardia do ‘garum’, a famosa e misteriosa salsa que marcou a gastronomia romana e atravessou séculos como um símbolo da sofisticação culinária mediterrânea.
O garum era uma salsa fermentada feita principalmente de peixe e ervas, amplamente usada na Roma Antiga. Considerado um item de luxo, seu sabor intenso o tornava um condimento essencial em diversas receitas da época. Feito a partir da fermentação de peixes pequenos ou partes residuais, como vísceras, misturadas a sal e ervas aromáticas, o garum era um elemento imprescindível na dieta romana, oferecendo um toque único a pratos doces e salgados.
A descoberta recente adiciona um novo capítulo à história dessa salsa ao apresentar uma versão tardia que inclui ingredientes como alevinos de anchovas, aipo, orégano e manjericão – um toque que reflete as influências culturais da época bizantina.
A ânfora, encontrada em excelente estado de conservação, foi identificada como proveniente da região do atual Túnez, indicando fortes laços comerciais entre Cartagena e o norte da África no período bizantino. Os resíduos encontrados no recipiente foram cuidadosamente analisados por uma equipe interdisciplinar liderada por José Miguel Noguera, em colaboração com universidades espanholas como Murcia, Málaga e Cádiz, além de instituições internacionais.
Os testes realizados identificaram restos de peixes, especiarias e ervas que confirmam uma adaptação local da receita clássica. Este é o registro mais tardio da produção de garum, oferecendo pistas valiosas sobre a evolução das tradições culinárias na bacia do Mediterrâneo.
Para além do contexto gastronômico, a descoberta do garum em Cartagena proporciona uma janela para as relações comerciais e culturais da época bizantina. As rotas comerciais entre o norte da África e o sudeste da Espanha são evidenciadas por essa troca de bens e conhecimentos. Isso reforça a ideia de que a cozinha mediterrânea foi moldada pela interação de diversas culturas ao longo dos séculos.
Ademais, o trabalho conjunto de pesquisadores de diferentes instituições destaca o valor da colaboração interdisciplinar na arqueologia moderna. A análise química e os estudos históricos complementam-se para desvendar os segredos escondidos há mais de mil anos.
A redescoberta do garum bizantino em Cartagena resgata não apenas um sabor perdido no tempo, mas também uma parte da identidade cultural do Mediterrâneo. A salsa simboliza a sofisticação e a criatividade culinária dos povos antigos, conectando passado e presente em um fio invisível que atravessa gerações.
Hoje, chefs e entusiastas da história gastronômica encontram no garum uma fonte de inspiração. Algumas receitas modernas tentam recriar sua intensidade e complexidade, permitindo que esse legado viva nas cozinhas contemporâneas.
A descoberta da receita bizantina do garum em Cartagena não é apenas uma contribuição à história da gastronomia, mas também um lembrete de como a comida une culturas e transcende o tempo. Este achado arqueológico reafirma a riqueza do patrimônio mediterrâneo, convidando-nos a explorar e celebrar as tradições culinárias que moldaram o mundo moderno.