A bióloga marinha Christine Pergent-Martini e sua equipe se depararam com algo fora do comum nas profundezas do Mediterrâneo, próximo à Córsega, quando trabalhavam na região. Durante uma missão de mapeamento do fundo do mar, as imagens do sonar revelaram estranhas formações circulares, cada uma com cerca de 20 metros de diâmetro, lembrando “ovos fritos” espalhados pelo solo oceânico.
Ninguém sabia exatamente o que eram. Havia hipóteses sobre crateras de gás, marcas de atividades vulcânicas ou até mesmo algo de origem biológica. Mas nada explicava completamente sua formação.
O desafio da exploração
Os anos se passaram e os anéis continuavam um mistério. Em 2020, o renomado bólogo marinho Laurent Ballesta entrou em cena. Conhecido por suas explorações extremas, Ballesta e sua equipe mergulharam a 120 metros de profundidade para investigar as estranhas estruturas.
O que encontraram foi surpreendente: os anéis eram formados por algas calcárias vermelhas e cercados por rodolitos, pequenas algas coralinas. Mais do que meras marcas no fundo do mar, eram ecossistemas vivos, repletos de criaturas raras como corais amarelos, caranguejos-diabo e peixes camuflados entre as gorgônias.
A descoberta trouxe também um alerta. A área onde os anéis estão localizados fica sob rotas de navegação intensas, e as âncoras de navios comerciais ameaçam destruir essas formações antigas. Sem proteção, esse tesouro natural pode desaparecer antes mesmo de ser completamente compreendido.
Em uma nova expedição em 2021, a equipe de Ballesta adotou uma técnica inspirada nos mergulhadores de plataformas de petróleo: viveram por semanas em uma câmara pressurizada, permitindo mergulhos prolongados sem riscos de descompressão. Isso possibilitou a coleta de amostras que finalmente revelaram a idade dos anéis.
21.000 anos de história submersa
Os exames de datação por carbono revelaram que os anéis têm aproximadamente 21.000 anos, datando do período do último máximo glacial. Naquela época, o nível do mar era bem mais baixo, e a região ficava a menos de 20 metros da superfície, favorecendo o crescimento de algas coralinas.
Com a elevação dos oceanos, essas algas perderam o contato com a luz solar, colapsaram e deram origem às estruturas circulares que hoje intrigam cientistas. Mais tarde, novas colônias colonizaram os anéis, criando um habitat singular e praticamente intocado.
Compreender a origem dessas formações é apenas parte do desafio. O maior obstáculo agora é protegê-las. Apenas uma parte da área está dentro de um parque marinho protegido, enquanto o restante segue vulnerável à atividade humana.
No verão de 2023, Ballesta retornou com uma equipe de cientistas e dois submarinos para aprofundar os estudos e impulsionar medidas de conservação. A esperança é que as autoridades reconheçam a importância dessa descoberta e tomem medidas concretas para proteger esse ecossistema antes que seja tarde demais.
Os anéis do Mediterrâneo são mais do que uma curiosidade geológica. Eles contam uma história de mudanças climáticas, revelações sobre a evolução do oceano e a fragilidade de ecossistemas pouco conhecidos. Resta saber se a humanidade agirá a tempo para preservar esse enigma submerso para as futuras gerações.