O Poder Legislativo catarinense celebra em 2024 seus 190 anos de existência, uma longa jornada marcada por momentos de extrema importância, mas também por desafios significativos. A história desse órgão reflete a trajetória de um Estado em constante evolução, acompanhando as mudanças econômicas, sociais e políticas do país. Durante quase dois séculos, o Legislativo estadual enfrentou crises, foi alvo de questionamentos e, em diversas ocasiões, teve seu funcionamento comprometido por forças políticas adversas.
O Poder Legislativo de Santa Catarina não foi imune às instabilidades políticas que marcaram a história do Brasil. Durante o período republicano, o Legislativo estadual enfrentou três paralisações significativas, todas decorrentes de crises políticas e governos ditatoriais.
Essas interrupções foram momentos de grande incerteza para a democracia, colocando em risco a representatividade e o direito do povo catarinense de participar ativamente das decisões que moldam sua sociedade.
Mesmo sendo considerado a “Casa do Povo”, o Legislativo estadual enfrentou, e ainda enfrenta, questionamentos sobre sua existência e relevância. Há quem defenda seu fechamento, argumentando que os custos de manutenção são elevados, que os parlamentares não cumprem seu papel de forma eficaz ou que um chefe do Executivo com poderes absolutos seria mais eficiente. Essas visões, no entanto, são fortemente rechaçadas por aqueles que compreendem o valor da pluralidade e da representatividade democrática.
A democracia brasileira, com todas as suas falhas e desafios, depende crucialmente da existência de um Legislativo forte e atuante. O ex-deputado estadual Pedro Bittencourt Neto, por exemplo, enfatiza que um poder centralizado em uma única pessoa jamais poderia representar todas as vontades do povo. “Um homem só não é o representante de todas as vontades. O coletivo, quando você consegue reunir pessoas, tem muito mais legitimidade de representação do que o individualismo”, afirma.
Essa visão é corroborada por servidores da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), como Siomara Gonçalves Videira, que há 40 anos trabalha no Legislativo. Ela acredita que muitos dos que defendem o fechamento do Legislativo desconhecem os tempos de repressão e autoritarismo, quando a participação popular era praticamente inexistente. Para ela, o Legislativo representa a democracia em sua essência, oferecendo um espaço para que o povo questione, reclame e participe das decisões.
Apesar da importância do Legislativo, é inegável que ele é o mais contestado dos três poderes, como observa o jornalista e professor Jacques Mick, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele atribui essa contestação à transparência do Legislativo, que paga o preço de ser o mais visível dos poderes. “O Poder Legislativo pode ser contestado ou discutido, e é bom que seja assim. E o Poder Legislativo é o mais contestado de todos porque é o mais transparente deles”, considera Mick.
Essa transparência, no entanto, muitas vezes vem acompanhada de uma falta de compreensão sobre o real papel dos deputados estaduais. Nelson Henrique Moreira, servidor da Alesc, aponta que muitos insatisfeitos criticam sem ter um conhecimento profundo do funcionamento do Legislativo. Ele defende que a insatisfação com os deputados deve ser resolvida através do voto, e não pelo fechamento da instituição. “Tudo passa por aqui, e isso é importante para a sociedade. Às vezes, falta essa noção, inclusive da possibilidade de você vir aqui e reivindicar”, explica.
Além das críticas externas, o Poder Legislativo também enfrenta desafios internos, especialmente no que diz respeito à sua relação com o Poder Executivo. Segundo o historiador Reinaldo Lindolfo Löhn, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), parte das críticas ao Legislativo se origina dessa interação muitas vezes conflituosa.
“Há uma disputa com o governador, mas nem sempre em nome da sociedade. Quando o grande tema da Assembleia é a composição do secretariado, é o ‘pacotaço’ do fim do ano, e não o diálogo com movimentos sociais, há críticas”, afirma Löhn.
Outro ponto de crítica é o entendimento equivocado de que o trabalho dos deputados se limita à produção de leis e à participação em sessões plenárias. Pedro Bittencourt Neto ressalta que a produtividade de um deputado não pode ser medida apenas pelo número de horas sentado no plenário. A atuação parlamentar vai muito além, envolvendo a formação de lideranças, a articulação política e a criação de normas que impactam diretamente a vida dos catarinenses.
Apesar das limitações impostas pela Constituição Federal de 1988, que restringiu as prerrogativas dos estados e municípios, o Poder Legislativo estadual ainda desempenha um papel crucial na política brasileira. O deputado Júlio Garcia, com mais de 30 anos de experiência parlamentar e três vezes presidente da Alesc, acredita que as assembleias legislativas têm plenas condições de exercer seu poder e se impor quando necessário.
“A Constituição Federal permite perfeitamente que as assembleias se imponham e tenham condições de exercer seu poder”, afirma Garcia.
O professor Jacques Mick concorda, destacando que os parlamentos estaduais são importantes vozes de ressonância para questões que dizem respeito à população local. “As casas legislativas estaduais são importantes vozes de ressonância para os tópicos que dizem respeito à população local, situações que envolvem o governo estadual e os municípios”, enfatiza Mick.