Há doenças que chegam de forma súbita, outras que avançam lentamente. E há ainda aquelas que se instalam sem alarde, afetando funções essenciais do organismo até que os sinais se tornem visíveis demais para serem ignorados. A adrenoleucodistrofia, ou ALD, pertence a este último grupo. Trata-se de uma condição hereditária rara que atinge, sobretudo, o cérebro e a medula espinhal, além das glândulas adrenais.
Causada por uma mutação no gene ABCD1, localizado no cromossomo X, essa doença interfere no metabolismo de ácidos graxos de cadeia muito longa, levando ao acúmulo dessas substâncias em tecidos fundamentais do corpo. Em meninos, os efeitos podem surgir já na infância e progredir de maneira rápida e severa, comprometendo cognição, locomoção, fala e até mesmo funções vitais. Com diagnóstico precoce e acesso aos tratamentos disponíveis, é possível modificar esse cenário — mas o tempo é um fator crucial.
Uma doença rara que exige atenção nos primeiros sinais
A adrenoleucodistrofia é uma condição genética ligada ao sexo, ou seja, afeta com maior frequência os homens, já que possuem apenas um cromossomo X. Quando este cromossomo carrega a mutação, não há um outro para compensar. As mulheres podem herdar o gene alterado, mas tendem a apresentar sintomas mais leves e em idade avançada, se manifestarem algum.
A doença se caracteriza pela dificuldade do organismo em quebrar e eliminar certos tipos de gordura, os chamados ácidos graxos de cadeia muito longa. Essas substâncias acabam se acumulando principalmente no sistema nervoso central e nas glândulas suprarrenais, interferindo em funções neurológicas e hormonais. Existem diferentes formas clínicas da ALD, que variam conforme a idade de início, gravidade e áreas afetadas.
A forma cerebral infantil é a mais agressiva e geralmente começa entre os 4 e 10 anos. Os primeiros sinais costumam passar despercebidos: dificuldade de atenção, queda no rendimento escolar, alterações comportamentais. À medida que avança, a criança pode apresentar perda da visão, audição, coordenação motora e fala. Convulsões e regressão cognitiva também são frequentes. Sem tratamento, o quadro evolui rapidamente, podendo levar à morte em poucos anos.
Outra apresentação é a adrenomieloneuropatia, mais comum em adultos, geralmente entre 20 e 40 anos. Nesse caso, os sintomas envolvem rigidez e fraqueza nas pernas, dificuldade para caminhar e problemas urinários. A progressão é mais lenta, mas o impacto sobre a qualidade de vida é significativo. Já a insuficiência adrenal pode surgir isoladamente ou em conjunto com as demais formas. Ela se manifesta por fadiga extrema, escurecimento da pele, perda de peso e desmaios — sinais relacionados à queda da produção de hormônios pelas glândulas adrenais.
Diagnóstico precoce é a chave para mudar o curso da doença
O diagnóstico da adrenoleucodistrofia é feito por meio de exames laboratoriais que identificam os níveis anormais de ácidos graxos no sangue. A confirmação vem com o teste genético para detecção da mutação no gene ABCD1. A ressonância magnética do cérebro também é essencial para observar as lesões características nas áreas afetadas.
Nos últimos anos, o teste do pezinho ampliado passou a incluir a triagem para ALD em alguns países, inclusive em programas-piloto no Brasil. Esse tipo de detecção precoce é fundamental para o sucesso terapêutico, especialmente porque os tratamentos só são eficazes antes do surgimento de danos neurológicos irreversíveis.
O principal tratamento indicado para crianças nos estágios iniciais da forma cerebral é o transplante de células-tronco hematopoiéticas. Esse procedimento tem o objetivo de interromper a progressão das lesões cerebrais, mas só é eficaz quando realizado nos estágios iniciais da doença, antes de surgirem sintomas graves. É por isso que o diagnóstico precoce é considerado um fator decisivo.
Além disso, existe o uso de fórmulas especiais de óleos vegetais, como o chamado “Óleo de Lorenzo”, que busca reduzir os níveis de gordura acumulada no organismo. Essa abordagem pode ter efeito preventivo em meninos que ainda não apresentam sintomas, mas não reverte os danos já causados.
Terapias emergentes também estão sendo estudadas, como a terapia gênica, que já vem sendo aplicada em países como os Estados Unidos e alguns países da Europa. Esses tratamentos consistem na correção do gene defeituoso com o uso de vetores virais. Embora promissoras, essas opções ainda não estão amplamente disponíveis.
O suporte multidisciplinar é indispensável. Fisioterapeutas, neurologistas, endocrinologistas, psicólogos e assistentes sociais ajudam a lidar com os múltiplos impactos da doença. Esse cuidado se estende aos familiares, que enfrentam desafios emocionais, financeiros e logísticos contínuos.
Por se tratar de uma doença rara, muitas vezes os sintomas são atribuídos a outras condições, o que atrasa o diagnóstico. O desconhecimento da condição por parte da população — e até mesmo de alguns profissionais da saúde — contribui para o avanço silencioso da doença. Por isso, campanhas de conscientização, inclusão da ALD em triagens neonatais e o fortalecimento da rede de atenção às doenças raras são medidas urgentes e necessárias.
Conclusão: Adrenoleucodistrofia, a doença silenciosa
A adrenoleucodistrofia representa um desafio significativo tanto para a ciência quanto para as famílias que convivem com seus impactos. Embora rara, a doença tem consequências severas e exige atenção especializada, agilidade no diagnóstico e políticas públicas efetivas.
Ao ampliar o acesso à triagem neonatal e investir em pesquisas, é possível transformar realidades e oferecer mais qualidade de vida aos pacientes. O conhecimento é uma ferramenta poderosa — e, no caso da ALD, pode ser a diferença entre uma vida limitada e uma vida com possibilidades.
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Estudante da área de saúde, Crysne Caroline Bresolin Basquera é especialista em produção de conteúdo local e regional, saúde, redes sociais e governos.