Será que esse acordo entre Mercosul e União Europeia, que está em negociação há mais de duas décadas e que agora deve sair do papel, é de falto algo positivo para os países do Mercosul? Em tese, o acordo promete transformar as relações comerciais entre os blocos.
Com um mercado combinado de 750 milhões de pessoas e um PIB de mais de US$ 20 trilhões, as expectativas de um desfecho positivo ganharam força com a visita de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, à cúpula do Mercosul em Montevidéu. Mas o que esse acordo realmente significa e como ele pode impactar os países envolvidos?
O que é o acordo Mercosul-União Europeia?
Este tratado é um dos maiores projetos de livre-comércio já negociados no mundo. Ele prevê a eliminação ou redução de tarifas para cerca de 90% dos produtos comercializados entre os blocos.
Para o Mercosul, isso significa acesso facilitado ao mercado europeu para produtos agrícolas, como carne bovina, açúcar, etanol e grãos. Por outro lado, a União Europeia terá tarifas reduzidas para exportar veículos, máquinas, produtos farmacêuticos e outros itens industriais para o Mercosul.
Além disso, o acordo abrange temas como serviços, propriedade intelectual, compras governamentais e medidas sanitárias, visando criar uma relação mais integrada e eficiente entre os dois blocos econômicos.
Por que o acordo foi renegociado?
Apesar de as negociações iniciais terem sido concluídas em 2019, questões ambientais e políticas causaram oposição, especialmente na Europa. O governo do então presidente Jair Bolsonaro foi amplamente criticado por suas políticas ambientais, o que levou ao congelamento do acordo.
Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e uma agenda mais alinhada às preocupações ambientais europeias, as conversas foram retomadas. O Mercosul e a União Europeia revisaram pontos críticos do tratado, incluindo a inclusão de cláusulas mais robustas relacionadas ao meio ambiente e regras de compras governamentais.
Principais alterações nas negociações
Embora os detalhes finais ainda não tenham sido divulgados, algumas mudanças significativas foram antecipadas:
- Compromissos ambientais reforçados: Novos dispositivos de reequilíbrio foram introduzidos para evitar ações protecionistas disfarçadas de políticas ambientais, como a lei antidesmatamento da União Europeia.
- Cláusulas de retaliação cruzada: Em caso de medidas consideradas protecionistas, os países poderão retaliar em setores diferentes, garantindo maior flexibilidade nas negociações comerciais futuras.
- Exigências do Acordo de Paris: Todos os signatários do tratado devem ser membros do Acordo de Paris, consolidando compromissos climáticos entre os blocos.
Benefícios esperados para o Brasil
O Brasil, maior economia do Mercosul, é visto como um dos principais beneficiários do tratado. Setores como agricultura, pesca e carnes bovinas, suínas e de aves devem ganhar competitividade no mercado europeu. Em 2019, o Ministério da Economia estimou um incremento de US$ 87,5 bilhões no PIB brasileiro em 15 anos, podendo chegar a US$ 125 bilhões.
Além do impacto econômico direto, o tratado pode fortalecer o papel do Brasil como um dos maiores exportadores agrícolas do mundo, ao mesmo tempo que atrai investimentos europeus para setores estratégicos como infraestrutura, energia e tecnologia.
Os desafios à implementação do acordo
Apesar das oportunidades, o tratado enfrenta resistência em diversas frentes. Na Europa, países como França, Polônia e Itália têm expressado preocupações sobre o impacto no setor agrícola local. Agricultores europeus temem que a concorrência com produtos mais baratos do Mercosul prejudique suas atividades, especialmente em regiões onde subsídios agrícolas são fundamentais para a sobrevivência econômica.
Além disso, o processo de ratificação pode atrasar a implementação do tratado. Ele precisa ser aprovado pelo Parlamento Europeu, pelos legislativos nacionais dos 27 países da UE e pelos parlamentos dos países do Mercosul.
Impactos ambientais e regulatórios
Questões ambientais também permanecem como um ponto sensível. Enquanto a União Europeia possui padrões rigorosos para o uso de pesticidas, normas trabalhistas e bem-estar animal, os países do Mercosul operam sob regras menos restritivas. Isso levanta preocupações sobre disparidades regulatórias e possíveis tensões comerciais futuras.
Quais os produtos o Brasil mais exportará para os países da União Europeia?
O Brasil seria o maior beneficiado pelo acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, conforme análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Projeções indicam que entre 2024 e 2040, o tratado poderá impulsionar o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 0,46%, superando o crescimento estimado para a União Europeia (0,06%) e os demais países do Mercosul (0,2%).
Além do impacto no PIB, o Ipea aponta que o tratado deve atrair mais investimentos estrangeiros ao Brasil, registrando um aumento de 1,49% em comparação ao cenário sem a parceria. Esse fluxo de capital seria impulsionado pela confiança no mercado brasileiro e pelas condições favoráveis oferecidas pelo acordo.
No comércio exterior, os resultados também são promissores. A balança comercial brasileira deve registrar um saldo positivo de US$ 302,6 milhões, enquanto o restante do Mercosul somaria um ganho de US$ 169,2 milhões. Por outro lado, a União Europeia enfrentaria um impacto negativo de US$ 3,44 bilhões, reflexo das reduções tarifárias e concessões de cotas de exportação acordadas.
O Brasil terá uma posição privilegiada no mercado internacional graças à significativa redução das tarifas de exportação, que atualmente alcançam uma média de 17% e, em alguns casos, chegam a até 200%. Essa vantagem tarifária deve estimular as exportações brasileiras, que podem alcançar um ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões durante o período de vigência do acordo, segundo Pedro Henrique Rodrigues, assessor de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Outro ponto destacado por Rodrigues é o acesso a um mercado europeu de alto valor agregado, com consumidores que demandam produtos “premium”. Esse cenário é particularmente favorável para o agronegócio brasileiro, que possui uma produção excedente em setores como a pecuária, garantindo renda e crescimento para os agricultores.
Conforme dados da Agrostat, plataforma do Ministério da Agricultura e Pecuária, os principais produtos exportados para a União Europeia em 2023 incluem:
- Complexo soja (derivados de soja): US$ 8,5 bilhões
- Café: US$ 3,7 bilhões
- Produtos florestais: US$ 2,6 bilhões
- Carnes: US$ 1,6 bilhão
- Sucos: US$ 1,3 bilhão
- Complexo sucroalcooleiro (produtos derivados da cana-de-açúcar): US$ 1,7 bilhão
- Fumo e seus derivados: US$ 1 bilhão
- Frutas, incluindo nozes e castanhas: US$ 919 milhões
A diversificação e o fortalecimento das exportações brasileiras para a União Europeia mostram o potencial do Brasil para se consolidar como um dos principais parceiros comerciais do bloco europeu. O acordo, ao promover a integração econômica e abrir novas oportunidades de mercado, reforça a relevância do Brasil no comércio global.
Os pontos negativos do acordo para o Mercosul
O acordo entre o Mercosul e a União Europeia apresenta diversos pontos positivos para ambos os blocos, mas também levanta preocupações e desafios, especialmente para os países do Mercosul. Alguns pontos negativos que podem favorecer a União Europeia em detrimento do Mercosul incluem:
Competição desigual no setor industrial
Os produtos industriais europeus, como automóveis, máquinas e produtos farmacêuticos, têm maior valor agregado e competitividade global. A redução ou eliminação das tarifas de importação desses produtos pode prejudicar indústrias locais no Mercosul, que não possuem a mesma escala, tecnologia e capacidade de competir com empresas europeias.
Dependência de exportações agrícolas
O acordo reforça o papel do Mercosul como exportador de commodities agrícolas, enquanto a União Europeia fortalece sua posição de fornecedora de produtos industrializados e tecnológicos. Essa dinâmica pode perpetuar uma relação de dependência econômica, dificultando a diversificação e o fortalecimento de indústrias locais no Mercosul.
Exigências ambientais rigorosas
As cláusulas ambientais impostas pela União Europeia, como a adesão obrigatória ao Acordo de Paris e o cumprimento de normas rígidas de rastreamento e sustentabilidade, podem aumentar os custos de produção no Mercosul. Pequenos e médios produtores agrícolas podem ter dificuldades para cumprir essas exigências, enquanto grandes corporações europeias se beneficiam de padrões já estabelecidos.
Retaliações comerciais unilaterais
A União Europeia pode utilizar dispositivos do acordo, como o mecanismo de reequilíbrio ou a retaliação cruzada, para proteger seus interesses comerciais. Por exemplo, medidas protecionistas disfarçadas de preocupações ambientais, como a lei antidesmatamento, podem limitar o acesso de produtos do Mercosul ao mercado europeu.
Assimetria nos padrões regulatórios
Os padrões regulatórios mais rígidos da União Europeia, em áreas como bem-estar animal, uso de pesticidas e normas trabalhistas, podem criar barreiras não tarifárias para os produtos do Mercosul. Esses requisitos podem ser usados para atrasar ou inviabilizar exportações sul-americanas, enquanto os produtos europeus enfrentam menos obstáculos nos mercados do Mercosul.
Perda de arrecadação fiscal
A eliminação ou redução de tarifas de importação para produtos europeus significa uma perda significativa de receita para os governos do Mercosul. Essa arrecadação fiscal, que muitas vezes é usada para subsidiar setores estratégicos, pode ser dificultada, aumentando a pressão sobre as economias locais.
Riscos à soberania alimentar
O aumento da importação de produtos alimentícios processados e industrializados da União Europeia pode impactar negativamente produtores locais, reduzindo a competitividade de pequenas e médias empresas agrícolas do Mercosul. Isso também pode levar a uma dependência maior de produtos importados para abastecimento alimentar.
Dificuldade em proteger mercados locais
A abertura do mercado para produtos europeus pode colocar em risco setores estratégicos da economia do Mercosul, como vinhos, queijos e produtos farmacêuticos. A falta de competitividade em preços e qualidade pode levar ao enfraquecimento de indústrias locais, gerando desemprego e desindustrialização em algumas áreas.
Exclusividade de indicações geográficas
O acordo concede proteção para indicações geográficas de produtos europeus, como queijos, vinhos e bebidas destiladas, limitando o uso de nomenclaturas que poderiam ser utilizadas ou adaptadas por produtores do Mercosul. Isso pode restringir oportunidades de mercado para itens similares produzidos na América do Sul.
Assimetria nos ganhos econômicos
Embora o Mercosul tenha potencial para expandir suas exportações agrícolas, a União Europeia deve colher ganhos mais significativos em setores de alta tecnologia e inovação. Essa diferença pode ampliar o desequilíbrio econômico entre os blocos, consolidando a posição da Europa como um polo econômico dominante.
Os pontos positivos para os países do Mercosul
O acordo entre o Mercosul e a União Europeia apresenta diversos pontos positivos para o Mercosul, especialmente no que diz respeito à ampliação de mercados, aumento das exportações e maior integração econômica. Abaixo, estão os principais benefícios que o acordo pode trazer para o bloco sul-americano:
Acesso ampliado ao mercado europeu
O principal ponto positivo é a abertura do mercado europeu para os produtos do Mercosul. Com a eliminação ou redução de tarifas para cerca de 90% dos produtos, os exportadores do Mercosul terão melhores condições de competitividade na União Europeia, que é um dos mercados mais ricos e exigentes do mundo. Produtos agrícolas como carne bovina, soja, açúcar, etanol e frutas tropicais terão destaque nas exportações.
Redução de barreiras comerciais
O acordo simplifica procedimentos alfandegários e reduz barreiras não tarifárias, facilitando o fluxo de mercadorias entre os blocos. Isso beneficia pequenos e médios exportadores do Mercosul, que enfrentam dificuldades com os altos custos associados ao comércio internacional.
Valorização de produtos agrícolas
O Mercosul, que é um grande exportador de produtos agrícolas, terá a oportunidade de ampliar suas vendas para a Europa. A demanda europeia por alimentos de qualidade e em larga escala favorece produtores de carnes, grãos, peixes e crustáceos, consolidando o Mercosul como um fornecedor estratégico de commodities agrícolas.
Estímulo à modernização e inovação
O acordo incentiva a modernização de indústrias e práticas agrícolas nos países do Mercosul. As cláusulas ambientais e de sustentabilidade exigidas pela União Europeia podem pressionar o Mercosul a adotar tecnologias mais avançadas e práticas mais sustentáveis, aumentando a competitividade global dos produtos da região.
Maior atratividade para investimentos estrangeiros
Com o acordo, espera-se que investidores europeus vejam os países do Mercosul como destinos mais atrativos para investimentos. A integração econômica e as regras mais claras para serviços e investimentos podem fortalecer setores estratégicos, como infraestrutura, energia renovável, tecnologia e agronegócio.
Fortalecimento das relações diplomáticas
O tratado não é apenas comercial, mas também reforça os laços políticos e diplomáticos entre os blocos. A União Europeia é vista como um parceiro estratégico global, e o acordo coloca o Mercosul em uma posição de maior relevância no cenário internacional, aumentando sua capacidade de negociar em outros fóruns globais.
Diversificação de mercados
Atualmente, grande parte das exportações do Mercosul é destinada à China e outros mercados asiáticos. O acordo com a União Europeia oferece uma oportunidade para diversificar mercados e reduzir a dependência de um único parceiro comercial, garantindo maior estabilidade econômica.
Benefícios para setores industriais específicos
Embora o Mercosul enfrente desafios no setor industrial, alguns setores podem se beneficiar com a redução de tarifas para exportações para a União Europeia. Produtos manufaturados, calçados, têxteis e itens de couro podem encontrar novos mercados e expandir suas operações.
Incremento no PIB e no comércio
Estima-se que o acordo possa gerar um aumento significativo no Produto Interno Bruto (PIB) dos países do Mercosul. Projeções anteriores indicam um impacto positivo de US$ 87,5 bilhões no PIB brasileiro em 15 anos, podendo chegar a US$ 125 bilhões. Além disso, o comércio entre os blocos deve crescer substancialmente, aumentando a circulação de bens e serviços.
Fortalecimento do Mercosul
A conclusão do acordo é um marco histórico para o Mercosul, que demonstra sua capacidade de negociar e consolidar parcerias estratégicas. Isso fortalece a relevância do bloco no cenário internacional, estimulando os países-membros a buscar novos tratados comerciais com outros parceiros globais.
Proteção de indicações geográficas
Produtos brasileiros e sul-americanos com indicação geográfica, como o café e outros itens de valor agregado, podem ganhar maior destaque no mercado europeu, sendo reconhecidos por sua qualidade e autenticidade.
Estímulo à criação de empregos
A ampliação do comércio com a União Europeia pode gerar mais empregos nos setores beneficiados pelo acordo, como agricultura, logística e exportação. A modernização de processos produtivos e a entrada de novos investimentos também devem contribuir para o crescimento de vagas de trabalho.
Incentivo à sustentabilidade
Embora visto como um desafio, o compromisso com práticas sustentáveis exigido pelo acordo pode beneficiar o Mercosul no longo prazo. A adoção de políticas ambientais alinhadas às exigências globais fortalece a imagem da região como parceira responsável e comprometida com o desenvolvimento sustentável.
Redução de custos para o consumidor
A redução de tarifas de importação de produtos europeus, como medicamentos, equipamentos médicos, vinhos e automóveis, pode beneficiar os consumidores do Mercosul, tornando esses itens mais acessíveis e diversificando a oferta de produtos disponíveis.
Transferência de tecnologia
A aproximação com a União Europeia pode facilitar a transferência de tecnologia e inovação para os países do Mercosul, especialmente em áreas como energia renovável, biotecnologia e sustentabilidade. Isso contribui para o desenvolvimento econômico e científico da região.
Reconhecimento internacional
A participação em um tratado tão abrangente aumenta o prestígio internacional do Mercosul, colocando-o em um patamar de maior relevância no comércio global. Isso também pode impulsionar a capacidade de negociação do bloco em futuros tratados comerciais.
Estímulo ao crescimento econômico regional
Além do Brasil, outros países do Mercosul, como Argentina, Paraguai e Uruguai, podem se beneficiar do aumento das exportações e do fortalecimento das relações comerciais. Isso estimula o crescimento econômico regional e reduz desigualdades entre os países-membros.
Apoio ao setor de serviços
O acordo também prevê a abertura de mercados para serviços, beneficiando áreas como tecnologia da informação, turismo, logística e consultoria. Empresas do Mercosul poderão competir em igualdade de condições no mercado europeu.
Possibilidade de maior integração
A implementação do acordo pode incentivar os países do Mercosul a promover maior integração interna, fortalecendo suas economias e políticas comerciais. Isso contribui para a consolidação do bloco como uma força econômica relevante no hemisfério sul.
Estímulo à confiança do mercado
A conclusão de um acordo dessa magnitude reforça a confiança do mercado internacional na estabilidade econômica e política do Mercosul. Isso pode atrair novos negócios, fortalecer cadeias produtivas e criar novas oportunidades de crescimento.
O acordo entre Mercosul e União Europeia é, sem dúvida, um marco histórico que pode redefinir o comércio global. Ele oferece grandes oportunidades econômicas, especialmente para os países do Mercosul, mas também apresenta desafios complexos, desde questões ambientais até a resistência política dentro da União Europeia.
Se implementado, o tratado poderá impulsionar as economias dos dois blocos, promovendo maior integração e cooperação. No entanto, sua ratificação dependerá da superação de tensões políticas, econômicas e ambientais, que continuam a dividir opiniões em ambas as regiões.